segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Ser feliz

Das coisas que gosto de fazer é passear pelas bancas de revistas e olhar as capas. Raramente compro alguma coisa, mas capa em banca é algo que me atrai desde criança. Lembro da capa da primeira Criativa, ainda com páginas destacáveis para se colocar em um fichário: uma mulher comendo uma fatia de melancia.

Independente do meu gosto, leio capa de revista principalmente para acompanhar novela. Não vejo um capítulo de nada mais, sei bem quem faz o quê só lendo manchete. Pulo a parte das revistas de regime – elas nunca mudam, tem sempre alguém ou enrolado na fita métrica ou segurando uma calça modelo Itu –, das revistas exclusivamente para o público feminino – com guia de sexo lacrado que ensina a encerar um chão como ninguém – e as revistas de mulher pelada.

Chego, claro, aos periódicos informativos semanais. A sociedade em si é meio que regida por um termômetro emocional bastante interessante, que pode ser medido por essas capas. É tragédia mundial? Toda revista abre com algum flagelado ou cena de destruição. Campanha política mostra as figuras e os ataques de sempre, no carnaval um escândalo qualquer e por aí vai.

Interessante, contudo, não é a medição da temperatura nacional em épocas de comoções em massa, mas sim nos períodos considerados "tempo comum". Essa semana nas capas dos três periódicos ditos principais, com maior circulação pelo Brasil, o tema é um só: ser feliz. Uma revista traz em letras grandes que o brasileiro está mais feliz. Outra que casar faz bem e deixa a pessoa feliz. A terceira sobre os melhores lugares para se trabalhar [feliz?]. Em uma visão rasteira podemos chegar à conclusão de que, essa semana, quem não estiver feliz, não tiver um bom emprego nem um bom casamento, deveria se mudar do país e aguardar uma capa mais adequada.

Curioso com tanta felicidade procurei pela matéria da Istoé, aquela que escancara sorrisos, e vi que a razão da manchete é para justificar que o brasileiro está comprando mais. Um gráfico de escala mostra um aumento no consumo de moradia, eletrônicos, automóveis, computadores e até mesmo smartphones. Como tenho um iPhone, uma televisão nova e uso o cartão de débito para pagar as contas (o banco me concede cinco saques mensais, o excedente eu tenho de pagar tarifa), provavelmente estou encaixado no perfil dos felizes. No momento, pelo contrário, não estou esbanjando alegria pela cidade. Acordei foi muito bravo por ter de dar aula às sete da manhã em plena segunda-feira, e já sabendo que meu dia só termina às dez da noite. Em tempo: da minha janela não dá para ver nenhuma marcha de pessoas contentes dançando como se fosse comercial de refrigerante.

A matéria começa elencando várias pessoas e a razão da sua felicidade: "o executivo foi promovido; a psicóloga viajou para o exterior pela primeira vez porque pôde parcelar as passagens em suaves prestações; o advogado trocou um espaçoso apartamento no Rio de Janeiro por um imóvel maior ainda; a gari comprou um celular para o filho de 15 anos e vai presentear a filha de 13 com um perfume caro". Existem outros exemplos envolvendo de alguma forma a compra ou aquisição de algum bem. No meio de todos eu destacaria um realmente merecedor: "a estudante de medicina que bancou a faculdade com uma bolsa do ProUni. Ela é o primeiro membro da família a fazer curso superior". De todo modo ninguém está feliz porque um parente se curou do câncer, ninguém está feliz porque ama o parceiro e os filhos, ninguém está feliz porque ganhou um beijo de bom dia.

Dentro desse recorte a matéria me deixou, na verdade, triste. Por simplesmente registrar uma parecença de mentalidade com aquela norte-americana da década de 1950, ou mesmo com o milagre econômico nacional nos anos 1970. Por, em um tempo de necessidade de educação social, resgatar o pensamento de que "(...) os integrantes da baixa renda precisam mostrar aos amigos e familiares que possuem um bem de causar inveja". A matéria só não diz o preço e a efemeridade desse tipo de felicidade. É aguardar para ver o quanto dura.

sábado, 21 de agosto de 2010

Uma questão de educação

Há alguns dias venho pensando sobre o que escrever para não despertar em mim qualquer tipo de sentimento de autocomiseração. As pessoas, algumas e principalmente aquelas cancerianas, tendem por vezes a se expor em um nível de olhem o quanto sofro, o que é, no mínimo, humilhante e inútil. A cada qual cabe sua parcela de problemas e eventos, e o modo como recebemos nossas cruzes e o que com elas fazemos diz respeito somente a cada um. Para quem me lê e me conhece apenas por aqui – são poucos, penso, se é que existem – fica apenas o registro de que dias mais tristes aconteceram, e uma frase de Santa Teresa D'Ávila: "Si en medio de las adversidades persevera el corazón con serenidad, con gozo y con paz, esto es amor". Sem mais.

Ontem, enfim, algum tipo de assunto surgiu, decorrido deste vídeo, entre amigos. Não vi nem vou ver o vídeo todo, mas o resumo mais ou menos contextualiza: "(...) tudo tranquilo no embarque, de repente aparece essa figura aí trêbada, pra lá de Bagdá". Ou, como anotei, o "doido do ônibus" entrou no avião. Pelos comentários parece que o moço foi removido da aeronave mas não quero entrar em detalhes sobre o comportamento do sujeito, porque tem gente demais para fazer isso, e sim de minha reação frente o vídeo.

Em primeiro lugar, como disse, não terminei de ver. Não dei conta. Tenho pavor de avião e, para fazer uma associação comparativa, eu em voos sou como se desenvolvesse a Síndrome de Asperger. Perco a habilidade de expressar emoções. Fico incapaz de atos simples como, aconteceu da última vez, levantar e bater uma foto da minha mãe. Pedi à aeromoça. Toda e qualquer coisa que foge do padrão, do protocolo, torna-se de uma incompreensibilidade absurda, me levando ao limite do pânico. Qualquer conselho para procurar ajuda psiquiátrica não é bem-vindo: eles vão sugerir a máquina de abraçar.

A atitude do moço foge do padrão, o que me levou diretamente a apertar o confortável botão de xis e a comentar da saudade do tempo quando incomum era a aeromoça sorteando sacola de brinde na ponte aérea. Porém, como lancei isso em uma lista de discussão, ficou mais que claro que cada vez mais os aviões vão atender cada vez mais gente de diversas classes. Em resumo: vai ter cada vez mais pobre voando.

Daí que, e esse é um ponto que levanto, o problema do homem no vídeo não é ele ser pobre, mas sim ter sido inconveniente e desrespeitoso com pelo menos outras 50 pessoas com quem ele dividia o espaço. O problema dele não é a pobreza, não é o álcool, não é ser negro (como ele alude), não é nada além de ser uma pessoa "momentaneamente" incapacitada ao convívio social. E a culpa é dele? Não. É tudo questão de educação.

Não venho de família rica, não venho de família pobre, até hoje não sei delimitar a minha classe social. Como não tenho aspirador de pó nem empregada mensalista eu desço de nível, então fico naquele meio-termo indistinto das pessoas que têm rios de imposto a pagar mas não conseguem comprar um carro. Não que eu o queira. Independente disso, orgulho-me de ter sido pelo menos educado bem dentro de casa. O suficiente para saber que existe o meu espaço e existe o espaço do outro, que deve ser respeitado.

O moço do vídeo não teve esse tipo de educação por algum motivo. Descaso do governo, mãe ausente, abandonado nas ruas, não importa. Ele não foi educado para a situação de convívio que o lugar pedia. Porém ele não é o único e a classe à qual ele aparenta pertencer não é a única afetada pelo grande mal da falta de trato com o outro que adoece a sociedade.

Você já furou uma fila? Joga papel pela janela, seja em que lugar for? E lixo no chão do ônibus? Já grudou chiclete na cadeira do cinema? Você grita ao celular? Tem um carro com tanta caixa de som que não cabe um envelope no bagageiro? Sai pela rua com o carro ligado mostrando o seu gosto musical pela cidade? Já jogou gasolina e ateou fogo em mendigo? Bateu em doméstica no meio da rua achando que ela era prostituta? Parabéns! Você pode se assentar do lado daquele sujeito porque, tirando a gravidade da situação, dele você não se diferencia em nada.

E talvez não seja também sua culpa. Pode ser culpa do seu pai, frustrado por não estar em casa, que te encheu de presentes e sempre passou a mão na sua cabeça. Pode ser a mãe alcoólatra que só ia dormir depois de te dar uma surra. Pode ser a vida. Pode ser tudo. Pode ser o dia de cão, o trabalho que não fica pronto. No fundo, tudo é causa para jogarmos nossos transtornos na figura do outro e não olharmos para nós mesmos.

Digo isso porque hoje fui posto à prova, e falhei. Entrei em um ônibus e lá estava ele, o "doido do ônibus", disfarçado de mulher. A mulher gritava e mexia com todos e mostrava os remédios que tinha de tomar e falava e era insuportável. E eu fui para o canto e usei o meu provedor instantâneo de autismo, também conhecido como iPod. Até a hora em que ela me tocou. E, em um surto violento, por estar em um ônibus e não dentro de um avião, eu reagi. Olhei para a mulher e disse "Eu por acaso estou conversando com você? Estou prestando atenção em você? Então me deixa em paz". E ela calou. E desceu no ponto seguinte. E a trocadora olhou para mim como se eu fosse mais doido que a doida. No fim das contas também mereço ser retirado do voo, ainda preciso melhorar muito para conseguir um assento decente.

Encerro, de novo, com Santa Teresa D'Ávila: "(...) Procuremos siempre mirar las virtudes y cosas buenas que viéremos en los otros y tapar sus defectos con nuestros grandes pecados... tener a todos por mejores que nosotros". Essa é a grande lição do dia.