quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Advertência

Os textos contidos nessa página refletem a observação e interpretação de momentos específicos. Reservo-me, como qualquer ser humano, o direito de ser incoerente, passional, depressivo e por vezes cruel se assim o couber. Sou, principalmente, um observador da vida, um "colhedor de absurdos", como venho me chamando. E por vezes pego recortes que, dependendo do leitor, podem soar como verdadeiras punhaladas.

Escrever é um ato de rasgar, por vezes. Para ficar escrito o papel precisa ser violado pelo instrumento. Às vezes duro, às vezes prazeroso, por vezes dispensável. Mas ocorrido, acontecido.

Segunda advertência: não apago meus textos. Porque, mesmo possível, seria como tentar reescrever o passado. É uma artificialidade que a mim não cabe. Interpretem como quiser.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Exercício de memória : personagens

Alguns amigos postaram em seus perfis do Facebook esses últimos meses uma brincadeira dos 15 mais. Os 15 livros, 15 filmes, 15 músicas que marcaram a sua vida, fizeram chorar, vão ser sempre lembrados. O desafio, digamos assim, era retornar a mensagem em 15 minutos, compartilhando a lista com o amigo e passando para frente a "corrente" (na falta de um melhor termo). Interessante mas não participei de nenhuma brincadeira.

Em primeiro lugar porque sou bobo, chato e feio. Depois porque não tem como eu revirar meu baú mental e pinçar, em um espaço de tempo tão reduzido, 15 aleatoriedades realmente representativas. Mas, sendo mais chato ainda, como gostei da ideia resolvi subvertê-la e preparar uma lista de personagens (reais ou não) que marcaram minha vida. Para o bem e para o mal. Devem ser 15, mas talvez falte (ou sobre) algum. A ordem de entrada é totalmente randômica, até pensei fazer ordem alfabética, mas vou deixar a memória mandar. Clique no nome da personagem para vê-la no Youtube.

O espelho mágico da Branca de Neve
Começando de cara com o espelho, um dos coadjuvantes mais interessantes, em minha modesta opinião, do cinema de animação. Nem bom nem mau, o espelho diz a verdade. E filosofa vez por outra. Fora que não tem medo de responder à rainha má que existe alguém mais belo no reino. A rainha, mui respeitosamente, ouve e em momento algum dá uma pedrada no vidro e faz o espelho virar mil.

Malévola
Ainda no cinema de animação, Malévola é a vilã e não se discute. Pérfida e cruel como deve ser, irritada, irritante e irritável, musa maligna da minha geração. Bia Falcão aprendeu com Malévola. Sue Sylvester aprendeu com Malévola. Eu... bem, eu também!

Cassandra
Personagem de Eurípides, personagem da Guerra de Troia, pitonisa, enlouquecida e amaldiçoada. Cassandra foi condenada à privação da confiança. Ela sempre dizia a verdade, e nunca acreditavam nela. Para representar a personagem da peça em que atuei, escolhi a interpretação de Geneviève Bujold no filme As Troianas, de 1971. Com Vanessa Redgrave no papel de Andrômaca e Katharine Hepburn arrasando como Hécuba. Taltíbio, personagem que interpretei no teatro, está também no trailer do link.

O Advogado
"Sim, eu sou um homem e choro. Um homem não tem olhos? Não tem também mãos, sentidos, inclinações, paixões? Porque é que um homem não devia chorar?" Estudei O Sonho, de August Strindberg, aos 15-16 anos. Seria uma peça que eu remontaria hoje, e faria exatamente o mesmo personagem: o Advogado. Arquetípico, não? E pensar que na época, lá no comecinho, queria mesmo ser o Oficial. Foi O Sonho que me levou a Bergman, e à personagem abaixo.

Ismael Retzinsky
Ismael é um garoto mantido num quarto fechado. Extremamente sedutor, assim como o pequeno universo em que vive. Andrógino, é interpretado por uma atriz (Stina Ekblad) em Fanny e Alexander. Se eu pudesse em meu leito de morte escolher uma cena de filme para assistir seria, sem dúvida alguma, essa.

Don Vito Corleone
A descrição mais difícil de ser feita sem cair em clichê. Então resumo assim: canceriano. Pronto.

Bacana
Qual menino da minha idade não queria ser o Bacana? O personagem, como não poderia deixar de ser, estigmatizou o Jonas Torres de um jeito que o moço foi virar marinheiro nos EUA. Mas o Bacana era bacana demais! E a Armação Ilimitada tinha, acho, algum roteiro. E tinha Zelda, Ronalda, o Chefe...

Stalker
Stalker foi um filme que só assisti uma vez, e acho que provavelmente dormi em parte dele. Produção típica do Tarkovsky, clima onírico com longas tomadas, o principal do personagem Stalker é mesmo o nome. Toda vez que alguém menciona o termo "stalker" (extremamente comum nos dias de hoje) são essas imagens que me vêm à cabeça na hora.

Fania Fenelon
A amarga sinfonia de Auschwitz traz Vanessa Redgrave (de novo ela) com a cabeça raspada interpretando uma prisioneira judia que sobrevive a Auschwitz por causa da música e de uma orquestra de presidiárias. A Fania real não gostou muito de ter sido interpretada pela Vanessa. Pelo que lembro do filme, foi um dos que mais chorei em toda minha vida.

Eduardo II e Gaveston
Referência ao rei da Inglaterra, o filme de Derek Jarman ainda me marca até hoje. Não tenho como escolher apenas um do casal gay real. Mas a cena mais marcante do filme, para mim, é o menino maquiado, de brincos, sobre a jaula do rei.

Macunaíma
Consigo descrever exatamente a noite em que assisti a esse filme na casa da minha mãe e fiquei chocado com o parto do Macunaíma. Não lembro se para a faculdade (dela) ou para a escola (minha), Macunaíma apareceu lá em casa para ajudar na leitura de um livro. Até hoje não gosto quando o Grande Otelo vira Paulo José.

Mary Matoso
Das melhores personagens da Patrícia Travassos em uma novela que marcou a minha adolescência. Dessas coisas de querer chegar em casa logo só para ver Vamp. Na memória a cena em que ela, de posse do comando da rádio da cidade, obriga o lugar inteiro a ouvir Recuerdos de Ypacaraí na sua linda voz de gralha velha.

Baronesa Eknésia
Se a telenovela é a educação sentimental do brasileiro, a Baronesa com certeza é a melhor professora. De brinde a Rainha Valentina, em uma interpretação impecável da Tereza Rachel.

Beato Salu
Eu tinha medo do Beato Salu, sabia?

Perpétua
Para encerrar com uma vilã. Figura inesquecível com a misteriosa caixa branca, na qual ela guardava o membro decepado do falecido marido. A minha mãe me proibiu de assistir a Tieta, porque chamei a emprega de fedaputa. Por isso tenho um lapso de memória de certos trechos da novela.

A lista pode aumentar, só que vou parar aqui. Afinal são 15 apenas.

*Update: pouco tempo depois de eu postar vi que o link de A amarga sinfonia de Auschwitz foi "banido" do Youtube e não achei outro. Deixei a foto da Vanessa no lugar.

sábado, 16 de outubro de 2010

Sobre o amor: re[in]flexões

Uma das grandes mentiras vendidas em loja é o jogo de cama de casal 4 peças: dois lençóis, duas fronhas e só. Jogo de cama (de casal) deveria ter no mínimo um lençol extra, para evitar que um roube o lençol do outro no meio da noite. Não sei como era no tempo de nossas avós, mas tenho cá comigo que essa ideia de duas pessoas sob um mesmo pano deve ter nascido com o conceito de amor romântico, aquele inventado em algum começo de século.

Vejamos a tradição amorosa anterior à literatura romântica – aquela com amores impossíveis, tragédias arrebatadoras e melodramas de cortar o coração, escritos por Shakespeare, Tomás Gonzaga (o da Marília de Dirceu), Glória Magadan e Janete Clair, entre outros.

Amores se arranjavam, amores eram desvinculados da instituição casamento. O ato de casar era visto como negócio que, e principalmente, por ser negócio, durava toda uma vida. O convívio entre os arranjados viria a tornar a relação, se não sólida, suportável na maioria das vezes. Assim como nos dias de hoje, relacionamentos abusivos existem, e aqui quero enquadrar a questão apenas da maioria, deixando para dramaturgos a função de explorar melhor as donzelas fugidas com cavaleiros e as escravas raptadas tornadas senhoras de engenho.

Casamentos [não amores] davam certo, duravam. Amores, como a expectativa de vida, eram aventuras de curto prazo e algumas lágrimas.

Até que alguém resolveu dar nome e sentido ao conceito de amor que temos hoje: esse que passa na novela e termina quase sempre em final feliz. Também dá as cartas no que chamamos comédia romântica, nas literaturas de banca de revista (Bianca, Sabrina, se é que ainda vendem isso), na programação do rádio. Tudo ou quase fala de amor, da expectativa do amor, da realização do amor e dos felizes para sempre sobe o letreiro.

A questão, claro, não é o encantamento inicial. Vive-se um tempo em que casamento continua sendo negócio [não duvide], porém com uma margem de risco superampliada e a inevitável sensação de que vai dar errado a qualquer momento. Por que seria, pergunto.

Se temos maior acesso a informação, maior possibilidade de escolha [rá, maior possibilidade implica também em mais chances de erro] e principalmente liberdade de escolha, qual a razão de um relacionamento por definição livre, iniciado pelo conceito externalizado do Amor, ou seja, nos moldes da educação sentimental pregada pelos melodramas, se somos pessoas privilegiadas por conseguir reunir as condições idealizadas por uma gama de autores ditos românticos, qual a razão para tudo de repente ir por água abaixo?

Pergunta que respondo assim: pela ampla falta de respeito próprio. Entenda, não digo que as pessoas não se respeitam mais umas às outras, talvez até se respeitem mais do que deveriam. Porém esqueceram-se de se dar o respeito. Eu mesmo, mea culpa, assumo, sou um intenso desrespeitador de mim. Não levanto limites, não imponho barreiras e, grave erro, aceito muita coisa sem discutir. Conviver é ceder em partes, com algum tipo de contrapartida. Mas quando se cede demais é como aquela famosa historinha: anteontem mataram o gato e não fiz nada, hoje voltaram e queimaram a minha casa, violentaram minha mulher e eu... Permaneci fazendo nada.

Não há mais nada o que se fazer. Apenas dar chance ao fim e a um possível recomeço, seja qual for. Recomeçar é sempre bom e necessário. Sem nunca, claro, abandonar o que se aprendeu. Por agora tenho uma grande vontade de fim. E deixo uma dica para quem for montar casa: compre um lençol extra para todo jogo de casal. Por ora, agora, fim.