quarta-feira, 8 de junho de 2011

A natureza astrológica

Algumas vezes na vida a gente faz besteira de modo acidental. Muitas vezes, se você achar melhor, afinal ninguém com cabeça no lugar faria besteira de caso pensado. Besteira, aqui, entenda não como ligar para ex-namorados às quatro e meia da manhã, mas algo mais simples. Como falar o que não devia ou, como no meu caso foi, consultar o horóscopo.

Há alguns anos, maio de 2008 para precisar data, comprei um mapa astral daquele site que todo mundo já cadastrou o nome para receber horóscopo personalizado no e-mail. Dois mapas: o mapa astral em si e um, que na época não era tão interessante mas vinha no pacote, o mapa profissional. Como eram dois por um, que mal faria em saber o que os astros diriam para a minha carreira? Mal nenhum, aliás.

Os mapas ficaram por lá em 2008 mesmo, e os horóscopos do site estão redirecionados para caixa de spam. Coisas do gmail. Até alguns dias atrás que, durante uma conversa envolvendo signos, re-lembrei que tinha um mapa astral guardado num site e fui ler a coisa.

Não pretendo questionar verdade ou validade de uma interpretação automática de um site baseada em números e dados [reais] fornecidos por mim, muito menos tomar o resultado como premissa incontestável ou, pior, impor uma visão totalmente cética e descartar qualquer informação apresentada. Mapa astral é, para mim, uma fonte parcial que você interpreta como quiser com base na sua vivência. Mas que existem elementos muito pertinentes e que gritam por atenção, existem.

Selecionei alguns trechos do meu mapa para uma discussão aberta de mim para comigo mesmo. Vejamos.

1. "Seu mapa apresenta uma configuração chamada 'locomotiva': os planetas se espalham por todo o mapa, ativando casas diferentes. Isso sugere que você tem mais talentos do que a maioria das pessoas; é mais livre para seguir a carreira que lhe vier à mente. É possível que você venha a ter muita indecisão na hora de optar por um caminho. A vantagem do padrão 'locomotiva' é que você termina assumindo um papel pioneiro, criando algo totalmente diferente, que lhe destaca do meio."

Começando pela afirmativa mais óbvia, presente em minha carreira profissional desde o seu princípio, realmente não sou pessoa de ficar quieta no cargo que me dão, e geralmente dou uma de dublê em outras funções. A questão da indecisão profissional é tão presente que, aos 30 anos, fiz um mapa comum a pessoas começando carreira (!!). Não quero martelar demais a parte elogiosa da coisa, para não ficar uma auto-reflexão egocêntrica em excesso.

2. "A sua opinião a respeito das coisas tenderá a ser considerada pelos outros, pois as pessoas percebem esta sua capacidade e emitir julgamentos sólidos. Deste modo, atividades em que você preste algum serviço de consultoria podem ser bastante úteis. Seu é o poder de avaliar, medir, julgar, fazer triagem."

Isso deve ser para quando eu ficar mais velho, porque hoje em dia não dou opinião em nada, e nem me pedem. Falando mais sério, não me sinto assim investido de uma capacidade transparecer tanta confiança para os outros. Talvez seja um ponto a trabalhar ou, talvez, a reconhecer.

3. "Você possui uma concentração de astros na quinta casa astrológica e tal posicionamento múltiplo favorece as atividades criativas e artísticas. Você possui um grande manancial criativo que pode ser bem utilizado e lhe conduzirá ao sucesso caso você se empenhe em aproveitar esta veia artística, persistentemente."

Outra coisa que não dá para discutir: estando, ou não, no mapa, eu aceito. Até porque coisa boa a gente não recusa ouvir, principalmente de um programa automático pago para isso. Seria um item bobo, não fosse a informação seguinte.

4. "Vale lembrar que a Casa 5 é a casa dos jogos, das brincadeiras, dos folguedos. Para você, a atividade profissional tem que ser necessariamente alguma coisa na qual você se divirta. Fazer as coisas por obrigação faz um mal terrível à sua saúde psíquica. Lembre-se sempre disso ao escolher suas atividades! A sua necessidade de expressar a criatividade é vital e uma vida em que não lhe seja permitido fazê-lo seria muito triste."

Eis a grande dimensão da besteira, explícita e escarrada em minha frente desde pelo menos três anos atrás. A coincidência de resgatar um suposto ponto fundamental para a minha felicidade profissional em contraponto com a minha atual não felicidade profissional. Estado esse, de não felicidade, que eu estava bem perto de me resignar, apesar de um excesso de indignez-vous que andei lendo e que será abordado depois, bem depois, quando o meu coração estiver mais sossegado. [Indignez-vous é um livro de Stéphane Hessel, e uma resenha em espanhol pode ser lida clicando aqui.]

O fato é que um mapa astral [e poderia ter sido um livro, um filme, um doido na rua], catalisado pelo estado entranhado de direito de se indignar [recomendo, mesmo, dar uma olhada no Indignez-vous], fez com que eu retomasse meus questionamentos com relação ao grau de suportabilidade da não felicidade. E veio como notícia de gravidez inesperada. A gravidez pressupõe concepção, mas na hora de conceber a gente nunca lembra isso, e assusta com a notícia como se fôssemos todos castos. E como uma notícia de gravidez, inesperada, não sei como lidar agora. E culpo o mapa astral.

5. "Você reúne uma singularidade de traços planetários que sugerem aptidão para o conhecimento e a interpretação de símbolos, daí a afinidade com as 'logias', o estudo dos mitos, a psicologia, a astrologia. A visão ampla é marcante, o que lhe permite certo 'distanciamento' do mundo ao redor, qualidade tão necessária a quem pretende interpretar símbolos. Ainda que você não venha a trabalhar com isso, que tal estudar astrologia, nem que seja como um hobby? Ela poderá lhe ser útil em qualquer área que você porventura venha a atuar! É possível também que você se dirija somente à psicologia ou à psicanálise, mas você sentirá que 'algo lhe falta', daí a busca por algo 'alternativo'."

Para finalizar os highlights, o mapa me manda fazer astrologia. Ou seja, estivesse eu com a cabeça um pouco menos [ou mais] no lugar, chutava o balde amanhã, incorporava a Leiloca e ia viver de mapa astral. Brincadeira à parte, esse é outro traço de personalidade que não incorporei ainda. À exceção do estudo de mitos, que amo, nenhuma psicologia ou psicanálise aplicada fazem parte da minha vida. E no campo esotérico o máximo que fiz foi ler um baralhinho de tarô.

Enfim, assim como eu mesmo já escrevi algumas vezes, o tempo dirá. Até lá, ou até quando eu resolver minhas questiúnculas com a vida, tudo permanecerá o mesmo. Ou, no máximo, em suspensão.