Das coisas que gosto de fazer é passear pelas bancas de revistas e olhar as capas. Raramente compro alguma coisa, mas capa em banca é algo que me atrai desde criança. Lembro da capa da primeira Criativa, ainda com páginas destacáveis para se colocar em um fichário: uma mulher comendo uma fatia de melancia.
Independente do meu gosto, leio capa de revista principalmente para acompanhar novela. Não vejo um capítulo de nada mais, sei bem quem faz o quê só lendo manchete. Pulo a parte das revistas de regime – elas nunca mudam, tem sempre alguém ou enrolado na fita métrica ou segurando uma calça modelo Itu –, das revistas exclusivamente para o público feminino – com guia de sexo lacrado que ensina a encerar um chão como ninguém – e as revistas de mulher pelada.
Chego, claro, aos periódicos informativos semanais. A sociedade em si é meio que regida por um termômetro emocional bastante interessante, que pode ser medido por essas capas. É tragédia mundial? Toda revista abre com algum flagelado ou cena de destruição. Campanha política mostra as figuras e os ataques de sempre, no carnaval um escândalo qualquer e por aí vai.
Interessante, contudo, não é a medição da temperatura nacional em épocas de comoções em massa, mas sim nos períodos considerados "tempo comum". Essa semana nas capas dos três periódicos ditos principais, com maior circulação pelo Brasil, o tema é um só: ser feliz. Uma revista traz em letras grandes que o brasileiro está mais feliz. Outra que casar faz bem e deixa a pessoa feliz. A terceira sobre os melhores lugares para se trabalhar [feliz?]. Em uma visão rasteira podemos chegar à conclusão de que, essa semana, quem não estiver feliz, não tiver um bom emprego nem um bom casamento, deveria se mudar do país e aguardar uma capa mais adequada.
Curioso com tanta felicidade procurei pela matéria da Istoé, aquela que escancara sorrisos, e vi que a razão da manchete é para justificar que o brasileiro está comprando mais. Um gráfico de escala mostra um aumento no consumo de moradia, eletrônicos, automóveis, computadores e até mesmo smartphones. Como tenho um iPhone, uma televisão nova e uso o cartão de débito para pagar as contas (o banco me concede cinco saques mensais, o excedente eu tenho de pagar tarifa), provavelmente estou encaixado no perfil dos felizes. No momento, pelo contrário, não estou esbanjando alegria pela cidade. Acordei foi muito bravo por ter de dar aula às sete da manhã em plena segunda-feira, e já sabendo que meu dia só termina às dez da noite. Em tempo: da minha janela não dá para ver nenhuma marcha de pessoas contentes dançando como se fosse comercial de refrigerante.
A matéria começa elencando várias pessoas e a razão da sua felicidade: "o executivo foi promovido; a psicóloga viajou para o exterior pela primeira vez porque pôde parcelar as passagens em suaves prestações; o advogado trocou um espaçoso apartamento no Rio de Janeiro por um imóvel maior ainda; a gari comprou um celular para o filho de 15 anos e vai presentear a filha de 13 com um perfume caro". Existem outros exemplos envolvendo de alguma forma a compra ou aquisição de algum bem. No meio de todos eu destacaria um realmente merecedor: "a estudante de medicina que bancou a faculdade com uma bolsa do ProUni. Ela é o primeiro membro da família a fazer curso superior". De todo modo ninguém está feliz porque um parente se curou do câncer, ninguém está feliz porque ama o parceiro e os filhos, ninguém está feliz porque ganhou um beijo de bom dia.
Dentro desse recorte a matéria me deixou, na verdade, triste. Por simplesmente registrar uma parecença de mentalidade com aquela norte-americana da década de 1950, ou mesmo com o milagre econômico nacional nos anos 1970. Por, em um tempo de necessidade de educação social, resgatar o pensamento de que "(...) os integrantes da baixa renda precisam mostrar aos amigos e familiares que possuem um bem de causar inveja". A matéria só não diz o preço e a efemeridade desse tipo de felicidade. É aguardar para ver o quanto dura.
Sabão com azeite de dendê
Há 2 meses