quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Trinta e cinco

Segundo o calendário, estou com 35 anos. A metade do que, em média, se espera que um homem viva. Ou seja, em tese, devo estar no meio de alguma crise de meia idade ou algo do gênero. Em crise muito pelo comparativo – os homens de 35 da geração anterior, e até da minha, já têm definidas metas de vida, carreira, projetos, boa parte já casou, tem filho(s) e está em processo de construir patrimônio.

Pois, meu caso, a indefinição é que se apresenta: resolvi redefinir minha carreira e voltar para a sala de aula, o que significam novos anos de estudo e inserção de novos valores, novas definições, novas metas.

Interessante que, no dia seguinte ao meu aniversário pensei fazer novo blog como um diário machista do homem de 35. A ideia vingou e morreu na cabeça porque veio uma torrente de informação grande o suficiente para jogar meus conceitos – e meias-verdades nas quais acreditava – por terra. Desde o meu relacionamento com a Morte (enquanto entidade), a minha visão de mundo, a vida dentro de casa, tudo. Do diário machista sobraram alguns registros mentais sobre “cheating”, “aproveitar o(s) tempo(s) perdido(s)” e algo que posso ou não vir a desenvolver algo mais tarde.

Como a dita crise dos 35 não atinge só a mim – Filosofia frente a Morte: só temos medo de morrer porque sabemos que o mundo continuará do mesmo jeito sem a gente aqui, e isso nos faz perder a aura de “especiais” que todo ser humano acha que tem* – e como efetivamente qualquer diário-da-crise soaria necessariamente pretensioso, resolvi abolir o projeto e voltar ao exercício da escrita no blog de sempre. Nada mais justo para um espaço que pode ser utilizado em “Qualquer tempo”.

Porém, assumindo o viés da pretensão, (re)inicio esse exercício justamente com algumas observações esparsas, anotações de página lateral, que vieram à tona após o meu aniversário:

1. Avião não foi feito para cair, diferente do submarino que necessariamente afunda – alguns comparam também com casamento.

2. Não, você, homem de 35, não perdeu o seu poder de sedução. O que está perdida, no máximo, é sua autoestima.

3. Pessoas andam a pé na rua em todas as cidades. Se aos 20 você caminhava sozinho, sem medo, em uma cidade desconhecida, dê-se novamente o direito de ser flâneur.

4. Sim, você mesmo pode comprar cuecas e meias, pare de ficar esperando esse tipo de presente. Tem loja que só vende isso, facilita bastante.

5. Cabelo branco na barba = barba feita periodicamente. Isso explica muita coisa. A menos que se tenha pretensão a Karl Marx.

6. Escolha uma parte do dia, fora a hora de dormir, para não pensar em trabalho. Pode ser a hora da novela, ou de alguma série, ou de ver um filme, ou de ler algo. Leia algo que não seja revista ou site ou romance de Sidney Sheldon (e congêneres).

7. Volte ao livro que você necessariamente abandonou quando tinha entre 15 e 18 anos e leia como se fosse coisa nova. Provavelmente você entenderá: ou o motivo de ter abandonado ou o livro em si.

8. Por último, estampe nas suas redes sociais, faça uma faixa e pregue na porta: “Um trabalho é só um trabalho e o trabalho não define o indivíduo. Trabalho não é virtude; ética, responsabilidade e competência são.”

Deveria haver um “volte a escrever” perdido ali em cima, mas achei desnecessário. Cada um se elabora como quiser, seja escrevendo, no chuveiro, na academia, na cama, comendo, viajando ou gritando na janela. Mas volte a beber, não tanto quanto 15 anos atrás, logicamente.

*Uma breve anotação: a Filosofia frente a Morte foi-me apresentada, mais ou menos nesses termos, pelo meu professor de Filosofia do cursinho. A afirmativa é dele, portanto, e só reproduzi aqui.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

qualquer tempo 2012 : anotações

Aí veio o rompante de escrever às garfadas, às braçadas, sem métrica, sem conta, sem revisão. Revisor estraga o texto, falei. E sentar e juntar ideias aos borbotões, como se fosse a hora de enfim regurgitar tudo o que foi engolido e acumulado na forma de gordura abdominal por anos a fio. E pensar. E pensar, e gritar. E pensar, e gritar e ajuntar de novo emaranhados de desenhos e letras e estabelecem um qualquer pensamento incoerente.

Porque hoje fiz faxina em casa. E porque hoje eu vi que precisava de um pouco de silêncio. Silêncio e solidão me fazem reproduzir. As pessoas quando querem que eu faça algo deveriam apenas me trancar em um quarto e fornecer comida e água de três em três horas, olha eu contando minhas manias.

Deveria ou nunca ter parado de fumar ou nunca fumado. Experimentando vontade, mesmo tendo parado há já três anos com recaídas anuais quando viajo. Quando viajo fumo. Aqui em BH vivo em uma zona de não fumantes e fim. Estou na parcela da população que lida bem com isso, sem estresse ou dependência. Só às vezes, como agora, experimentando vontade.

Por outro lado eu deveria voltar a beber antes de recomeçar o regime. 30 de janeiro. Mas tenho uma festa de casamento antes disso. Mas eu devia - devo - me comportar bem. Senão é justa causa. Eu devia, mesmo, tomar um porre e deixar de ser irritante.

Estou irritado. Tudo me irrita. Cheiros irritam. Barulhos alienígenas irritam. Estou com 90 anos em um corpinho de 39. Lucro, talvez? O corpinho de 39, claro, deveria voltar aos 34 originais. Tudo bem que a moça do colégio tirou dez anos de mim fácil, apesar do cabelo branco que herdei dos dois lados da família.

Pois é, não tenho a quem puxar cabelo preto. Grisalho desde novo no sangue. Parei de pintar cabelo em 2006. Já foi preto, vermelho, roxo. Agora é a cor que ele quiser.

Continuo irritado e careta. Não mostro a língua no espelho - para mim mesmo - tem 357 dias, e contando. Para os outros tem bem menos, porque mostro língua no trabalho. E falo palavrão, e canto funk para assustar a bibliotecária.

Não sei se gosto de funk, preciso ir a um baile e confirmar. Gosto de samba, queria ir ao sambódromo de novo. É bom para gritar muito, dizem que parece partida de futebol. Nunca fui a uma partida de futebol. 34 anos e não conheço o Mineirão por dentro. E já riram da minha cara quando eu achava que o povo assistia o jogo sentado. Só na Europa, disseram.

Preciso ir à Europa e preciso perder o medo de avião. Vou ali marcar um voo de 12 horas e encomendar duas caixas de diazepan.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Letra dedicada

Por vezes é de bom-tom recordar que apenas o fato de se estar vivo é, em si, uma grande vitória do dia a dia. Caem árvores, atropela-se, pessoas morrem cotidianamente aos borbotões. O ato último da morte é corriqueiro e cruel, mas dela preferimos não saber. Como se vivêssemos envidraçados e distantes da fatalidade.

Até que ela ocorre: em casa, na rua, na sua frente. E seguimos rejeitando a ideia, provavelmente por instinto natural de sobrevivência, e protelamos a consciência do morrer para o dito instante inevitável.

Se vivêssemos, hoje, abraçando a realidade de uma despedida futura, talvez deixássemos lembranças mais permanentes, e ainda menos sofrimento na hora da ausência. Porém o viver artificializado que nos envolve suprime as relações com o ato de morrer.

Velórios não se fazem mais em casa, não se passa a noite com a pessoa morta, não se chora na hora certa, tudo é assombrosamente limpo, estéril e padronizado.

Para a minha hora eu gostaria de choro, casa, café e noite em claro. Ganharei decerto a frieza e a assepsia de um crematório. Contudo não estarei lá para ver, então isso importa pouco. Sigo, de todo modo, cumprindo o desejo de sobreviver aos meus antepassados. Isso, e isso somente, deveria ser dever de toda geração mais jovem...

*Aos atropelados, eletrocutados, explodidos e caídos do dia de hoje, com respeito.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Texto entre anotações

Ainda ontem ou anteontem li por aí que não escrevo mais. Dei a resposta, rasa até certo ponto, de que as letras fugiram para algum lugar desconhecido. Como se fosse possível a gente, do nada, cruzar a rua e dar de cara com um "erre" fujão. Ou ainda bater papo com o "dábliu" no alto da Torre Eiffel, nós, as letras, e taças de champanhe.
As letras permanecem, o que falta, em verdade, é motivo para colocá-las em ordem, em sentido.

***

As letras são e estão permanentemente distribuídas dentro de um caça-palavras gigante, maior que aqueles das revistas de passatempo, e cabe a quem tiver um mínimo de disposição encontrar o termo que precisa, e como nos passatempos de cara encontramos uma palavra qualquer, meio óbvia, que colocaram ali justo para não termos sensação de total estupidez.
Mas o bom do caça-palavras é exato o processo de "achamento", de encontrar alguma coisa escrita de trás pra frente, ou em algum lugar totalmente inesperado. Mas o bom do ato de escrever é pegar as palavras encontradas e enfileirar, de modo que zebra, alumínio e estivador possam juntos criar um tipo de sentido. Mesmo que, por vezes, criemos algum tipo de desordem proposital, para brincar um pouco com a sua cabeça.

***

Agora como querer dar sentido, produzir sentido, abrir um canal de comunicação sem se ter o que dizer? Certa vez eu li um elogio que já repeti nos meus textos por demais, talvez não tão literalmente como agora: "[ele] tem uma capacidade incrível de atrair confusão/histórias interessantes. [...] Se bem que ele também tem uma enorme capacidade para transformar o cotidiano em causos inteligentes".
Pois bem, senhores, esse pequeno depoimento sobre minha pessoa externa uma característica estilística bastante peculiar, que a mim é cara e sobre a qual construí boa parte do meu trabalho enquanto escrevedor: a capacidade de analisar a cotidianidade, ou "o nada de todo dia", e transformar em algo de fácil digestão. Não que essa seja unicamente o meu modo de escrita, acho que ainda sou capaz de produzir algum texto dissertativo, talvez uma narrativa curta, jamais engrenei um romance, poesia não arrisco mais desde um incidente em 1990.

***

Sobre o incidente: eu sou um menino tímido. Tudo bem que metade das pessoas que eu já peguei tem sérias dúvidas sobre isso, e a outra metade tenha certeza que é mentira, mas no fim das contas sou sim. Principalmente quando diz respeito a me expor ao vivo em público. Já travei em um programa de debates na televisão, acredite. Não falei "gato" e fiz minha melhor amiga passar vergonha. Até hoje culpo o briefing, inexistente.
Em 1990, sétima série, aconteceu um campeonato de poesia e minha professora de português insistiu que eu me inscrevesse. Emprestou a máquina de escrever para eu passar a limpo, veja bem. Nascidos em 1990, naquela época computador era artigo de luxo, como as Ferrari o são. Escrevi o poema, sobre solidão, lindo e triste e simples para alguém de 12 anos. Inscrevi o poema, fui selecionado e tinha de [atenção senhores] declamar em público. Perguntem se eu apareci no dia? Desde então poesia nem nas aulas de redação. Até porque o segundo grau insiste na produção dissertativa como preparatório para o vestibular.
Deixo as equivalências de escolaridade a cargo do leitor. Ainda não internalizei ensino médio nem fundamental e nem o fim do pré-primário.

***

O fato é: o que dizer quando não se tem nada a dizer? Qual a relevância de se insistir em episódios cotidianos repetidos a exaustão, sendo que não tenho vocação nenhuma para o dadaísmo? O que se pode inferir da minha ausência é: falta de assunto. Ou ainda: contaminação do meio. Se pudermos resumir tudo em cento e quarenta toques, exato qual público um texto longo teria? Se uma foto resume tanto, qual sentido faz escrever que tenho três cachorros dormindo no meu pé nesse momento?
Mais: corrupção do cotidiano. As novidades foram corrompidas pela banalidade do tempo em que vivemos. Hoje todos são especialistas em efemérides, capazes de imperativos categóricos sobre assuntos tão diversos quanto a sexualidade da zebra, produção de alumínio ou a proliferação de doenças sexualmente transmissíveis entre os estivadores do porto de Santos. Daí surge um grande suspiro, e a vontade de contribuir com um grande espaço vazio para a discussão.
Também: a falta do tempo. Ele às vezes transborda, principalmente naquelas horas antes das seis da tarde sexta, mas geralmente o tempo escasseia o suficiente para a gente acordar segunda-feira e assustar na quinta à noite. E, contrariando a premissa do blog, qualquer tempo, o tempo precisa ser aliado dos escritos.
Daí a razão do sumiço: não se tem do que falar, uma vez que hoje todos falam sobre tudo, e sou tímido o suficiente para me manter à parte, observando.

***

Uma nota: sim, eu sou foda. E sei que sou foda. E tirando essa linha você nunca vai me ver assumindo isso em público. E sim, essa nota é para você em especial.

***

Então ficamos assim: não há do que falar, mas na medida do possível, até como exercício intelectual, vou tentar voltar mais vezes. Talvez explorar o fato de que tenho colegas de sala. De que um é bombeiro, o outro luta vale-tudo, o outro é motorista e evangélico. De que existem pessoas com histórias para serem contadas e que estão surgindo personagens novos no horizonte.
E quando for bom e for conveniente, a qualquer tempo, nos encontramos aqui.

Trilha: Palavras não falam, Mariana Aydar. Música na qual esse texto foi inspirado e que estou ouvindo agora.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A natureza astrológica

Algumas vezes na vida a gente faz besteira de modo acidental. Muitas vezes, se você achar melhor, afinal ninguém com cabeça no lugar faria besteira de caso pensado. Besteira, aqui, entenda não como ligar para ex-namorados às quatro e meia da manhã, mas algo mais simples. Como falar o que não devia ou, como no meu caso foi, consultar o horóscopo.

Há alguns anos, maio de 2008 para precisar data, comprei um mapa astral daquele site que todo mundo já cadastrou o nome para receber horóscopo personalizado no e-mail. Dois mapas: o mapa astral em si e um, que na época não era tão interessante mas vinha no pacote, o mapa profissional. Como eram dois por um, que mal faria em saber o que os astros diriam para a minha carreira? Mal nenhum, aliás.

Os mapas ficaram por lá em 2008 mesmo, e os horóscopos do site estão redirecionados para caixa de spam. Coisas do gmail. Até alguns dias atrás que, durante uma conversa envolvendo signos, re-lembrei que tinha um mapa astral guardado num site e fui ler a coisa.

Não pretendo questionar verdade ou validade de uma interpretação automática de um site baseada em números e dados [reais] fornecidos por mim, muito menos tomar o resultado como premissa incontestável ou, pior, impor uma visão totalmente cética e descartar qualquer informação apresentada. Mapa astral é, para mim, uma fonte parcial que você interpreta como quiser com base na sua vivência. Mas que existem elementos muito pertinentes e que gritam por atenção, existem.

Selecionei alguns trechos do meu mapa para uma discussão aberta de mim para comigo mesmo. Vejamos.

1. "Seu mapa apresenta uma configuração chamada 'locomotiva': os planetas se espalham por todo o mapa, ativando casas diferentes. Isso sugere que você tem mais talentos do que a maioria das pessoas; é mais livre para seguir a carreira que lhe vier à mente. É possível que você venha a ter muita indecisão na hora de optar por um caminho. A vantagem do padrão 'locomotiva' é que você termina assumindo um papel pioneiro, criando algo totalmente diferente, que lhe destaca do meio."

Começando pela afirmativa mais óbvia, presente em minha carreira profissional desde o seu princípio, realmente não sou pessoa de ficar quieta no cargo que me dão, e geralmente dou uma de dublê em outras funções. A questão da indecisão profissional é tão presente que, aos 30 anos, fiz um mapa comum a pessoas começando carreira (!!). Não quero martelar demais a parte elogiosa da coisa, para não ficar uma auto-reflexão egocêntrica em excesso.

2. "A sua opinião a respeito das coisas tenderá a ser considerada pelos outros, pois as pessoas percebem esta sua capacidade e emitir julgamentos sólidos. Deste modo, atividades em que você preste algum serviço de consultoria podem ser bastante úteis. Seu é o poder de avaliar, medir, julgar, fazer triagem."

Isso deve ser para quando eu ficar mais velho, porque hoje em dia não dou opinião em nada, e nem me pedem. Falando mais sério, não me sinto assim investido de uma capacidade transparecer tanta confiança para os outros. Talvez seja um ponto a trabalhar ou, talvez, a reconhecer.

3. "Você possui uma concentração de astros na quinta casa astrológica e tal posicionamento múltiplo favorece as atividades criativas e artísticas. Você possui um grande manancial criativo que pode ser bem utilizado e lhe conduzirá ao sucesso caso você se empenhe em aproveitar esta veia artística, persistentemente."

Outra coisa que não dá para discutir: estando, ou não, no mapa, eu aceito. Até porque coisa boa a gente não recusa ouvir, principalmente de um programa automático pago para isso. Seria um item bobo, não fosse a informação seguinte.

4. "Vale lembrar que a Casa 5 é a casa dos jogos, das brincadeiras, dos folguedos. Para você, a atividade profissional tem que ser necessariamente alguma coisa na qual você se divirta. Fazer as coisas por obrigação faz um mal terrível à sua saúde psíquica. Lembre-se sempre disso ao escolher suas atividades! A sua necessidade de expressar a criatividade é vital e uma vida em que não lhe seja permitido fazê-lo seria muito triste."

Eis a grande dimensão da besteira, explícita e escarrada em minha frente desde pelo menos três anos atrás. A coincidência de resgatar um suposto ponto fundamental para a minha felicidade profissional em contraponto com a minha atual não felicidade profissional. Estado esse, de não felicidade, que eu estava bem perto de me resignar, apesar de um excesso de indignez-vous que andei lendo e que será abordado depois, bem depois, quando o meu coração estiver mais sossegado. [Indignez-vous é um livro de Stéphane Hessel, e uma resenha em espanhol pode ser lida clicando aqui.]

O fato é que um mapa astral [e poderia ter sido um livro, um filme, um doido na rua], catalisado pelo estado entranhado de direito de se indignar [recomendo, mesmo, dar uma olhada no Indignez-vous], fez com que eu retomasse meus questionamentos com relação ao grau de suportabilidade da não felicidade. E veio como notícia de gravidez inesperada. A gravidez pressupõe concepção, mas na hora de conceber a gente nunca lembra isso, e assusta com a notícia como se fôssemos todos castos. E como uma notícia de gravidez, inesperada, não sei como lidar agora. E culpo o mapa astral.

5. "Você reúne uma singularidade de traços planetários que sugerem aptidão para o conhecimento e a interpretação de símbolos, daí a afinidade com as 'logias', o estudo dos mitos, a psicologia, a astrologia. A visão ampla é marcante, o que lhe permite certo 'distanciamento' do mundo ao redor, qualidade tão necessária a quem pretende interpretar símbolos. Ainda que você não venha a trabalhar com isso, que tal estudar astrologia, nem que seja como um hobby? Ela poderá lhe ser útil em qualquer área que você porventura venha a atuar! É possível também que você se dirija somente à psicologia ou à psicanálise, mas você sentirá que 'algo lhe falta', daí a busca por algo 'alternativo'."

Para finalizar os highlights, o mapa me manda fazer astrologia. Ou seja, estivesse eu com a cabeça um pouco menos [ou mais] no lugar, chutava o balde amanhã, incorporava a Leiloca e ia viver de mapa astral. Brincadeira à parte, esse é outro traço de personalidade que não incorporei ainda. À exceção do estudo de mitos, que amo, nenhuma psicologia ou psicanálise aplicada fazem parte da minha vida. E no campo esotérico o máximo que fiz foi ler um baralhinho de tarô.

Enfim, assim como eu mesmo já escrevi algumas vezes, o tempo dirá. Até lá, ou até quando eu resolver minhas questiúnculas com a vida, tudo permanecerá o mesmo. Ou, no máximo, em suspensão.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Reflexões sobre o pão de queijo

Polvilho, óleo, ovo, leite, sal e, logicamente, queijo. Qualquer mineiro, sujeito nascido no Estado de Minas Gerais, tem noção da receita do pão de queijo, mostrada em uma dezena de versões pelo Terra de Minas ou apreendida na cozinha da avó. Nem todos sabem fazer, mas a receita do pão de queijo deve vir transferida por herança genética, ou embutida em alguma vacina obrigatória de infância.

Fato é que, andando pelas ruas das cidades aqui de Minas, você vai invariavelmente dar de cara com alguma padaria, boteco ou birosca vendendo pão de queijo. Não que gasolina de mineiro seja o pão de queijo, se você perguntar a um mineiro aleatório ele com certeza vai dizer que "nem tanto pão de queijo assim" come, mas o mineiro, sujeito nascido em Minas Gerais, vive em uma dimensão na qual o pão de queijo está disponível em qualquer hora e virou jingle (olhe pro céu / veja se amanheceu / vai por na mesa / um pão de queijo quentinho / é bom demais da conta...).

Mineiro é assim, cercado de pão de queijo por todos os lados. E mente que não consome. Resolvi fazer a contagem do meu consumo de pão de queijo nos últimos dias. Domingo, café da manhã, minha mãe assou um pacote. Ontem à noite, fome emergencial pós trabalho, um pão de queijo de boteco. Outros dois hoje porque não tomei café da manhã e passei em uma lanchonete aqui perto, que faz o melhor pão de queijo da região. E isso é porque, realmente, não como tanto pão de queijo assim, ou seja, sou um alemão que bebe pouca cerveja.

Daí ser pertinente a ponderação da minha professora de Filosofia, razão, em essência, desse texto aparentemente sem pé nem cabeça:

"Você vai viajar. Adora a ideia, ver um lugar diferente, passear, sair dessa cidade, espairecer a cabeça. No primeiro dia é aquela alegria. Segundo dia, beleza. Dá o terceiro dia começa aquela ansiedade, daí você vai e fala: mas como essa cidade não tem um pão de queijo? Não adianta, ser humano sente falta do hábito."

E como negar? E como negar que a comida da sua mãe só não é melhor que a da sua avó, como negar que você gosta sim de usar aquela roupa velha e de dormir no seu colchão que até já afundou no contorno do seu corpo? E por que negar que festa de família é um saco mas você vai assim mesmo, e gosta quando está lá, até sair a primeira briga. E daí você fala que não volta mais, até a próxima festa, e sai de novo e de novo reclamando que o tio Fulano vive enchendo o saco?

Somos, os mineiros e os outros, indivíduos extremamente arraigados a nossa segurança, ao conforto do todo dia, à possibilidade de comprar pão de queijo em qualquer bar de esquina. Em outra mão, tentamos ser transgressores: vamos fazer pós-graduação na Europa, e lá não tem pão de queijo. Mas pedimos pelo amor de deus para a visita trazer um pacote de polvilho. Rompemos com tudo para trabalhar fazendo pesquisa na Antártida, e sentimos saudade do cheiro do arroz com feijão da casa da mãe. Assim fazemos e permaneceremos, até nascer uma nova raça.

Nunca fui avesso a tradições (nem a comfort food). O cotidiano é minha zona de segurança, suficientemente solidificada, em um patamar que, por hoje, afirmo: "não sei viver em um universo no qual não exista o pão de queijo". Daqui algumas luas posso mudar de afirmativa, jogar tudo para o alto e me (re)redefinir. Porém, se me conheço, vou carregar uma sacola com queijo Minas e polvilho para qualquer lugar aonde eu for.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

De novo o pato, a morte... e a tulipa

Há algum tempo escrevi aqui sobre uma peça de teatro, chamada Mas que história é essa? Era setembro do ano passado. De lá para cá algumas coisas mudaram: eu li o livro, e a Morte fez um breve passeio por perto. De todo modo, a peça vai entrar em cartaz de novo, por um dia. E vale a pena revisitar, reler, e levar as crianças.

"Viemos ao mundo para amar a vida."

Pensamos ser difícil ensinar Filosofia a crianças... Talvez não o seja. Talvez seja fácil por demais. Porque as crianças têm uma imensa capacidade de assimilação, de absorção daquilo que a elas é interessante. Difícil, então, não deve ser ensinar. Filosofia, Astronomia, Matemática, Literatura, não importa, a criança é capaz de aprender. Desde que, claro, você desperte a sua atenção e a mantenha interessada. Só que isso, prezado, é tarefa de profissionais.

O pato, a morte, e a tulipa em questão não são – mas o são – os personagens dos livros de Erlbruch. E não o são porque oficialmente não os li. Até tentei, não tinha na loja. Mas são, vieram dos livros e subiram no palco, delicadamente apropriados pela Érica [Lima]. Pato e Morte estão dentro da história que a Érica quer contar. Que é uma história sobre contar histórias. Ou, ainda, sobre como encantar as crianças.

Confesso que, enquanto ator, sou um clown frustrado. Apesar de nunca ter trabalhado ou desenvolvido meu clown, [acho que] sei que o meu personagem vai parar na linhagem dos tristes. Imagino meu clown como aquele palhaço horrível das gravuras da década de 1970. Assistir a um trabalho de clowns, para mim, é exercício que demanda paciência, desprendimento e desapego.

Mas que história é essa? [a peça de teatro] começa justo com dois clowns. Dois atores totalmente seguros de seu trabalho, e eu pensando em quanto de pirueta e acrobacia, e morrendo de inveja do condicionamento físico dos dois, e trabalho de cena ia ter de ver. Até que.

Até que tudo deixa de ter importância e, assim, na história de dois clowns contando uma história sobre contar histórias – que, juro, pensei que ia ter de passar óleo de peroba no rosto, fazer cara de paisagem e dizer que "é interessante" –, de repente a gente vê que o circo todo é montado para – perdão o trocadilho infame – cairmos como patinhos na rede armada pela autora [a Érica Lima], diretores [Marcelo Xavier e a própria Érica], elenco [Marcus Vinícius e Rubens Ramalho]. Somos plena e ludicamente encantados, adultos e crianças da plateia, para mergulhar em águas um pouco mais profundas. Como marinheiros que ouvem o canto das sereias.

Uma vez nós, público, devidamente rendidos, os atores nos têm na palma da mão. E abusam, dando vida a um Pato – que de pato, fisicamente, só tem o nome – e à inevitável, aquela que está sempre ao nosso lado (e por isso nunca se atrasa), a Morte. E nos fazem presenciar esse encontro, um tanto quanto inusitado, e a refletir sobre o sentido da vida. Cada qual de seu modo, adulto, criança, pato, somos levados a pensar na grande questão de para quê (ou por que) vivemos. E a resgatar a lembrança da finitude da vida. Tudo com uma grande (e abusada) delicadeza...

A Érica [Lima] deveria escrever mais. Deveria atuar mais também, mas isso fica entre eu e ela. Mas que história é essa? está pronta para começar. Se eu fosse você aproveitava a jornada... até mesmo sem levar criança alguma. Afinal, o espetáculo definitivamente não é só para elas.

Mas que história é essa?, uma produção do grupo Real Fantasia, está em cartaz no Teatro Dom Silvério, mas só no dia 7 de maio... A entrada (inteira) custa R$10, e não dá pra perder!

E a tulipa? Bem, a tulipa...