sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Letra dedicada

Por vezes é de bom-tom recordar que apenas o fato de se estar vivo é, em si, uma grande vitória do dia a dia. Caem árvores, atropela-se, pessoas morrem cotidianamente aos borbotões. O ato último da morte é corriqueiro e cruel, mas dela preferimos não saber. Como se vivêssemos envidraçados e distantes da fatalidade.

Até que ela ocorre: em casa, na rua, na sua frente. E seguimos rejeitando a ideia, provavelmente por instinto natural de sobrevivência, e protelamos a consciência do morrer para o dito instante inevitável.

Se vivêssemos, hoje, abraçando a realidade de uma despedida futura, talvez deixássemos lembranças mais permanentes, e ainda menos sofrimento na hora da ausência. Porém o viver artificializado que nos envolve suprime as relações com o ato de morrer.

Velórios não se fazem mais em casa, não se passa a noite com a pessoa morta, não se chora na hora certa, tudo é assombrosamente limpo, estéril e padronizado.

Para a minha hora eu gostaria de choro, casa, café e noite em claro. Ganharei decerto a frieza e a assepsia de um crematório. Contudo não estarei lá para ver, então isso importa pouco. Sigo, de todo modo, cumprindo o desejo de sobreviver aos meus antepassados. Isso, e isso somente, deveria ser dever de toda geração mais jovem...

*Aos atropelados, eletrocutados, explodidos e caídos do dia de hoje, com respeito.

Um comentário:

rOsI disse...

Sei lá, mas o mundo não é mais aquele lugar bacana que é uma pena deixar pra trás. Há muito tempo.