segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Texto entre anotações

Ainda ontem ou anteontem li por aí que não escrevo mais. Dei a resposta, rasa até certo ponto, de que as letras fugiram para algum lugar desconhecido. Como se fosse possível a gente, do nada, cruzar a rua e dar de cara com um "erre" fujão. Ou ainda bater papo com o "dábliu" no alto da Torre Eiffel, nós, as letras, e taças de champanhe.
As letras permanecem, o que falta, em verdade, é motivo para colocá-las em ordem, em sentido.

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As letras são e estão permanentemente distribuídas dentro de um caça-palavras gigante, maior que aqueles das revistas de passatempo, e cabe a quem tiver um mínimo de disposição encontrar o termo que precisa, e como nos passatempos de cara encontramos uma palavra qualquer, meio óbvia, que colocaram ali justo para não termos sensação de total estupidez.
Mas o bom do caça-palavras é exato o processo de "achamento", de encontrar alguma coisa escrita de trás pra frente, ou em algum lugar totalmente inesperado. Mas o bom do ato de escrever é pegar as palavras encontradas e enfileirar, de modo que zebra, alumínio e estivador possam juntos criar um tipo de sentido. Mesmo que, por vezes, criemos algum tipo de desordem proposital, para brincar um pouco com a sua cabeça.

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Agora como querer dar sentido, produzir sentido, abrir um canal de comunicação sem se ter o que dizer? Certa vez eu li um elogio que já repeti nos meus textos por demais, talvez não tão literalmente como agora: "[ele] tem uma capacidade incrível de atrair confusão/histórias interessantes. [...] Se bem que ele também tem uma enorme capacidade para transformar o cotidiano em causos inteligentes".
Pois bem, senhores, esse pequeno depoimento sobre minha pessoa externa uma característica estilística bastante peculiar, que a mim é cara e sobre a qual construí boa parte do meu trabalho enquanto escrevedor: a capacidade de analisar a cotidianidade, ou "o nada de todo dia", e transformar em algo de fácil digestão. Não que essa seja unicamente o meu modo de escrita, acho que ainda sou capaz de produzir algum texto dissertativo, talvez uma narrativa curta, jamais engrenei um romance, poesia não arrisco mais desde um incidente em 1990.

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Sobre o incidente: eu sou um menino tímido. Tudo bem que metade das pessoas que eu já peguei tem sérias dúvidas sobre isso, e a outra metade tenha certeza que é mentira, mas no fim das contas sou sim. Principalmente quando diz respeito a me expor ao vivo em público. Já travei em um programa de debates na televisão, acredite. Não falei "gato" e fiz minha melhor amiga passar vergonha. Até hoje culpo o briefing, inexistente.
Em 1990, sétima série, aconteceu um campeonato de poesia e minha professora de português insistiu que eu me inscrevesse. Emprestou a máquina de escrever para eu passar a limpo, veja bem. Nascidos em 1990, naquela época computador era artigo de luxo, como as Ferrari o são. Escrevi o poema, sobre solidão, lindo e triste e simples para alguém de 12 anos. Inscrevi o poema, fui selecionado e tinha de [atenção senhores] declamar em público. Perguntem se eu apareci no dia? Desde então poesia nem nas aulas de redação. Até porque o segundo grau insiste na produção dissertativa como preparatório para o vestibular.
Deixo as equivalências de escolaridade a cargo do leitor. Ainda não internalizei ensino médio nem fundamental e nem o fim do pré-primário.

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O fato é: o que dizer quando não se tem nada a dizer? Qual a relevância de se insistir em episódios cotidianos repetidos a exaustão, sendo que não tenho vocação nenhuma para o dadaísmo? O que se pode inferir da minha ausência é: falta de assunto. Ou ainda: contaminação do meio. Se pudermos resumir tudo em cento e quarenta toques, exato qual público um texto longo teria? Se uma foto resume tanto, qual sentido faz escrever que tenho três cachorros dormindo no meu pé nesse momento?
Mais: corrupção do cotidiano. As novidades foram corrompidas pela banalidade do tempo em que vivemos. Hoje todos são especialistas em efemérides, capazes de imperativos categóricos sobre assuntos tão diversos quanto a sexualidade da zebra, produção de alumínio ou a proliferação de doenças sexualmente transmissíveis entre os estivadores do porto de Santos. Daí surge um grande suspiro, e a vontade de contribuir com um grande espaço vazio para a discussão.
Também: a falta do tempo. Ele às vezes transborda, principalmente naquelas horas antes das seis da tarde sexta, mas geralmente o tempo escasseia o suficiente para a gente acordar segunda-feira e assustar na quinta à noite. E, contrariando a premissa do blog, qualquer tempo, o tempo precisa ser aliado dos escritos.
Daí a razão do sumiço: não se tem do que falar, uma vez que hoje todos falam sobre tudo, e sou tímido o suficiente para me manter à parte, observando.

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Uma nota: sim, eu sou foda. E sei que sou foda. E tirando essa linha você nunca vai me ver assumindo isso em público. E sim, essa nota é para você em especial.

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Então ficamos assim: não há do que falar, mas na medida do possível, até como exercício intelectual, vou tentar voltar mais vezes. Talvez explorar o fato de que tenho colegas de sala. De que um é bombeiro, o outro luta vale-tudo, o outro é motorista e evangélico. De que existem pessoas com histórias para serem contadas e que estão surgindo personagens novos no horizonte.
E quando for bom e for conveniente, a qualquer tempo, nos encontramos aqui.

Trilha: Palavras não falam, Mariana Aydar. Música na qual esse texto foi inspirado e que estou ouvindo agora.

Um comentário:

rOsI disse...

eu amo tanto, tanto essa música!
venha mais vezes, em qualquer tempo :D