Há algum tempo escrevi aqui sobre uma peça de teatro, chamada Mas que história é essa? Era setembro do ano passado. De lá para cá algumas coisas mudaram: eu li o livro, e a Morte fez um breve passeio por perto. De todo modo, a peça vai entrar em cartaz de novo, por um dia. E vale a pena revisitar, reler, e levar as crianças.
"Viemos ao mundo para amar a vida."
Pensamos ser difícil ensinar Filosofia a crianças... Talvez não o seja. Talvez seja fácil por demais. Porque as crianças têm uma imensa capacidade de assimilação, de absorção daquilo que a elas é interessante. Difícil, então, não deve ser ensinar. Filosofia, Astronomia, Matemática, Literatura, não importa, a criança é capaz de aprender. Desde que, claro, você desperte a sua atenção e a mantenha interessada. Só que isso, prezado, é tarefa de profissionais.
O pato, a morte, e a tulipa em questão não são – mas o são – os personagens dos livros de Erlbruch. E não o são porque oficialmente não os li. Até tentei, não tinha na loja. Mas são, vieram dos livros e subiram no palco, delicadamente apropriados pela Érica [Lima]. Pato e Morte estão dentro da história que a Érica quer contar. Que é uma história sobre contar histórias. Ou, ainda, sobre como encantar as crianças.
Confesso que, enquanto ator, sou um clown frustrado. Apesar de nunca ter trabalhado ou desenvolvido meu clown, [acho que] sei que o meu personagem vai parar na linhagem dos tristes. Imagino meu clown como aquele palhaço horrível das gravuras da década de 1970. Assistir a um trabalho de clowns, para mim, é exercício que demanda paciência, desprendimento e desapego.
Mas que história é essa? [a peça de teatro] começa justo com dois clowns. Dois atores totalmente seguros de seu trabalho, e eu pensando em quanto de pirueta e acrobacia, e morrendo de inveja do condicionamento físico dos dois, e trabalho de cena ia ter de ver. Até que.
Até que tudo deixa de ter importância e, assim, na história de dois clowns contando uma história sobre contar histórias – que, juro, pensei que ia ter de passar óleo de peroba no rosto, fazer cara de paisagem e dizer que "é interessante" –, de repente a gente vê que o circo todo é montado para – perdão o trocadilho infame – cairmos como patinhos na rede armada pela autora [a Érica Lima], diretores [Marcelo Xavier e a própria Érica], elenco [Marcus Vinícius e Rubens Ramalho]. Somos plena e ludicamente encantados, adultos e crianças da plateia, para mergulhar em águas um pouco mais profundas. Como marinheiros que ouvem o canto das sereias.
Uma vez nós, público, devidamente rendidos, os atores nos têm na palma da mão. E abusam, dando vida a um Pato – que de pato, fisicamente, só tem o nome – e à inevitável, aquela que está sempre ao nosso lado (e por isso nunca se atrasa), a Morte. E nos fazem presenciar esse encontro, um tanto quanto inusitado, e a refletir sobre o sentido da vida. Cada qual de seu modo, adulto, criança, pato, somos levados a pensar na grande questão de para quê (ou por que) vivemos. E a resgatar a lembrança da finitude da vida. Tudo com uma grande (e abusada) delicadeza...
A Érica [Lima] deveria escrever mais. Deveria atuar mais também, mas isso fica entre eu e ela. Mas que história é essa? está pronta para começar. Se eu fosse você aproveitava a jornada... até mesmo sem levar criança alguma. Afinal, o espetáculo definitivamente não é só para elas.
Mas que história é essa?, uma produção do grupo Real Fantasia, está em cartaz no Teatro Dom Silvério, mas só no dia 7 de maio... A entrada (inteira) custa R$10, e não dá pra perder!
E a tulipa? Bem, a tulipa...
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