sábado, 21 de agosto de 2010

Uma questão de educação

Há alguns dias venho pensando sobre o que escrever para não despertar em mim qualquer tipo de sentimento de autocomiseração. As pessoas, algumas e principalmente aquelas cancerianas, tendem por vezes a se expor em um nível de olhem o quanto sofro, o que é, no mínimo, humilhante e inútil. A cada qual cabe sua parcela de problemas e eventos, e o modo como recebemos nossas cruzes e o que com elas fazemos diz respeito somente a cada um. Para quem me lê e me conhece apenas por aqui – são poucos, penso, se é que existem – fica apenas o registro de que dias mais tristes aconteceram, e uma frase de Santa Teresa D'Ávila: "Si en medio de las adversidades persevera el corazón con serenidad, con gozo y con paz, esto es amor". Sem mais.

Ontem, enfim, algum tipo de assunto surgiu, decorrido deste vídeo, entre amigos. Não vi nem vou ver o vídeo todo, mas o resumo mais ou menos contextualiza: "(...) tudo tranquilo no embarque, de repente aparece essa figura aí trêbada, pra lá de Bagdá". Ou, como anotei, o "doido do ônibus" entrou no avião. Pelos comentários parece que o moço foi removido da aeronave mas não quero entrar em detalhes sobre o comportamento do sujeito, porque tem gente demais para fazer isso, e sim de minha reação frente o vídeo.

Em primeiro lugar, como disse, não terminei de ver. Não dei conta. Tenho pavor de avião e, para fazer uma associação comparativa, eu em voos sou como se desenvolvesse a Síndrome de Asperger. Perco a habilidade de expressar emoções. Fico incapaz de atos simples como, aconteceu da última vez, levantar e bater uma foto da minha mãe. Pedi à aeromoça. Toda e qualquer coisa que foge do padrão, do protocolo, torna-se de uma incompreensibilidade absurda, me levando ao limite do pânico. Qualquer conselho para procurar ajuda psiquiátrica não é bem-vindo: eles vão sugerir a máquina de abraçar.

A atitude do moço foge do padrão, o que me levou diretamente a apertar o confortável botão de xis e a comentar da saudade do tempo quando incomum era a aeromoça sorteando sacola de brinde na ponte aérea. Porém, como lancei isso em uma lista de discussão, ficou mais que claro que cada vez mais os aviões vão atender cada vez mais gente de diversas classes. Em resumo: vai ter cada vez mais pobre voando.

Daí que, e esse é um ponto que levanto, o problema do homem no vídeo não é ele ser pobre, mas sim ter sido inconveniente e desrespeitoso com pelo menos outras 50 pessoas com quem ele dividia o espaço. O problema dele não é a pobreza, não é o álcool, não é ser negro (como ele alude), não é nada além de ser uma pessoa "momentaneamente" incapacitada ao convívio social. E a culpa é dele? Não. É tudo questão de educação.

Não venho de família rica, não venho de família pobre, até hoje não sei delimitar a minha classe social. Como não tenho aspirador de pó nem empregada mensalista eu desço de nível, então fico naquele meio-termo indistinto das pessoas que têm rios de imposto a pagar mas não conseguem comprar um carro. Não que eu o queira. Independente disso, orgulho-me de ter sido pelo menos educado bem dentro de casa. O suficiente para saber que existe o meu espaço e existe o espaço do outro, que deve ser respeitado.

O moço do vídeo não teve esse tipo de educação por algum motivo. Descaso do governo, mãe ausente, abandonado nas ruas, não importa. Ele não foi educado para a situação de convívio que o lugar pedia. Porém ele não é o único e a classe à qual ele aparenta pertencer não é a única afetada pelo grande mal da falta de trato com o outro que adoece a sociedade.

Você já furou uma fila? Joga papel pela janela, seja em que lugar for? E lixo no chão do ônibus? Já grudou chiclete na cadeira do cinema? Você grita ao celular? Tem um carro com tanta caixa de som que não cabe um envelope no bagageiro? Sai pela rua com o carro ligado mostrando o seu gosto musical pela cidade? Já jogou gasolina e ateou fogo em mendigo? Bateu em doméstica no meio da rua achando que ela era prostituta? Parabéns! Você pode se assentar do lado daquele sujeito porque, tirando a gravidade da situação, dele você não se diferencia em nada.

E talvez não seja também sua culpa. Pode ser culpa do seu pai, frustrado por não estar em casa, que te encheu de presentes e sempre passou a mão na sua cabeça. Pode ser a mãe alcoólatra que só ia dormir depois de te dar uma surra. Pode ser a vida. Pode ser tudo. Pode ser o dia de cão, o trabalho que não fica pronto. No fundo, tudo é causa para jogarmos nossos transtornos na figura do outro e não olharmos para nós mesmos.

Digo isso porque hoje fui posto à prova, e falhei. Entrei em um ônibus e lá estava ele, o "doido do ônibus", disfarçado de mulher. A mulher gritava e mexia com todos e mostrava os remédios que tinha de tomar e falava e era insuportável. E eu fui para o canto e usei o meu provedor instantâneo de autismo, também conhecido como iPod. Até a hora em que ela me tocou. E, em um surto violento, por estar em um ônibus e não dentro de um avião, eu reagi. Olhei para a mulher e disse "Eu por acaso estou conversando com você? Estou prestando atenção em você? Então me deixa em paz". E ela calou. E desceu no ponto seguinte. E a trocadora olhou para mim como se eu fosse mais doido que a doida. No fim das contas também mereço ser retirado do voo, ainda preciso melhorar muito para conseguir um assento decente.

Encerro, de novo, com Santa Teresa D'Ávila: "(...) Procuremos siempre mirar las virtudes y cosas buenas que viéremos en los otros y tapar sus defectos con nuestros grandes pecados... tener a todos por mejores que nosotros". Essa é a grande lição do dia.

Um comentário:

rOsI disse...

O cara do avião estava beeeeeeebaaaaadoooooo!!!