Férias são efetivamente bom tempo. Mesmo que não façamos nada, o que não é recomendável, a mudança prolongada de rotina ajuda inclusive a renovar a perspectiva do trabalho. A retomar o foco, em outras palavras. Para mim férias e feriados estão associados a viagens. Seja pelo fato de a minha mãe morar a uma distância razoável – com a graça divina –, seja por eu realmente achar necessário pegar a estrada para considerar que estou oficialmente "de folga e longe de tudo".
Esse ano, como dito antes, acabei parando de novo em São Paulo. Para quem me acompanha, vez por outra apareço pelas bandas de lá, preferencialmente a passeio e em dias frios mas ensolarados. Não gosto de São Paulo com chuva. Também não gosto de avião, porém o meu gostar não interfere na mecânica da coisa. Vem acontecendo de eu ver e falar mais com os amigos paulistas que com os mineiros ali da esquina, e São Paulo sempre me é muito prazeroso.
Como em todas as férias, carrego um kit de sobrevivência com livros que não li e dvds que não assisti – tenho horror do Word me sugerir dvd em maiúscula, soa agressivo aos olhos. E, claro, como em todas as férias, não faço metade. Só li um livro. Na verdade estou nas últimas páginas, e vou passar a minha coleção da Mediadora adiante, deixar para ler no fim do ano. Nem gasto metade da mala de roupas, o que é perfeitamente comum.
O livro que li – estou lendo – é O símbolo perdido. Daquele cara que escreveu O Código Da Vinci e ajudou a deixar o Tom Hanks com mais cara de babaca. Entenda: vez por muita preciso da literatura descartável para sobreviver. E, sejamos francos, esse livro é bom. Melhor que o Código, mas não tão bom quanto Anjos e demônios, que tem um frescor magnífico ainda não superado pela experiência do autor. Se o Robert Langdon durar mais uns três episódios – ele tem fôlego, idade e mercado para isso –, talvez o Dan Brown se supere.
Quem mais me interessou no Símbolo perdido foi uma personagem feminina coadjuvante: Trish Dunne. Não quero me aprofundar no livro para não estragar o prazer de quem não leu. Trish me marcou por ter desenvolvido um software para medir a temperatura de uma nação. Copiando do livro:
"(...) O que estou querendo dizer é que ele quantifica o estado emocional do país. (...) – Trish explicou como, usando um campo de dados constituído pelas comunicações do país, era possível avaliar o humor da nação com base na 'densidade de ocorrência' de determinadas palavras-chave e indicadores emocionais no campo de dados. Épocas mais felizes tinham uma linguagem mais feliz, e épocas de estresse uma linguagem mais estressada."
Não sei a dimensão de verdade desse software, perfeitamente plausível na minha cabeça, e, francamente, ideia de gênio assim como os clipes e a fita crepe. O livro discute en passant a questão ética da análise de dados pelo governo, mas a personagem em si é pragmática: o uso que fazem do produto desenvolvido não diz respeito a ela. Santos Dumont, dizem, se matou ao ver o avião ser usado como arma. Trish não morreria por isso.
Retomando o fio das férias, gosto muito de ir a São Paulo mesmo quando não previsto – esse ano pretendia visitar qualquer lugar com praia. Férias me servem enquanto reciclagem, e já pus de lado faz muito a vergonha de pedir aos amigos para me indicarem coisas. Como, por exemplo, músicas novas. Ando bastante reacionário musicalmente, talvez preguiçoso, e não encontro vontade de conhecer novidade. Por isso, também, gosto de visitar os amigos, beber vinho, jogar baralho, falar besteira e escutar um monte de música pela primeira vez. Ano passado fiquei conhecendo a Mariana Aydar. Esse ano fui apresentado a Karina Buhr, Mayra Andrade, Cibelle Cavalli e, especialmente, a Tulipa Ruiz.
Já tinha lido algumas pessoas comentando da Tulipa antes. Só que o nome de flor não me atraiu. Eu gosto de mulheres com nome de flor, mas fiquei naquelas de "ah não vou ouvir disco de mulher com esse nome não". Erro meu.
Entreguei o iPod e disse para meu amigo: "pode tirar tudo, menos a Dolores". Quando fui ouvir pus o conteúdo no shuffle e assim, só assim, ouvi a Tulipa cantar Efêmera, e me encantei pela voz da moça. Disco todo ouvido – aliás, dá para ouvir o disco inteiro aqui –, ficou a sensação de que a moça cantava para mim. Especificamente na música Às vezes, que pareceu a Tulipa literalmente estar me mandando um bilhete.
Quando vou a São Paulo passeio pela Augusta, sempre de óculos escuros, e ignoro o mundo. Blasé sem saber, disse um amigo certa vez. Sem endereço mas com o mesmo telefone, rodo pelas festas e pelos bares do centro da cidade. Tenho ar cansado, banal e normal e, claro, moro em Belo Horizonte. Ouça a música para entender melhor.
Comentei sobre isso com uma amiga, que respondeu: "é a tribo". Ficaram dúvidas: seria minha geração tão comum ao ponto de várias pessoas se identificarem tão profundamente com diversas expressões como se elas tivessem sido produzidas diretamente para o indivíduo e não para a massa? Seríamos nós, a tribo, um metassistema, um cardume, no qual a linha de pensamento é tão compartilhada que acabamos por nos tornar estrutura única – composta por milhões de unidades distintas, mas vista como um grande bloco? E se sim, fazer parte disso seria algo bom ou não?
Fatos: minha geração agrupa a transitoriedade da capacidade de aquisição de informação. Saímos do telefone de ficha para o iPhone, da TV preto e branco para o Youtube – meu grande facilitador de ver novelas. Fomos os primeiros a experimentar a possibilidade de expressão para a globalidade pelo simples fato de estarmos vivos na época em que "fazer um blog" era algo muito novo. Com isso geramos, pelas tentativas e erros, uma grande gama de informação sobre nós mesmos. Os mais inteligentes transformaram as informações e desejos nelas contidos em produto – produtos com identidade, como Reverbcity e congêneres, Ronaldo Fraga e suas roupas ilustradas com personagens Disney, séries da minha infância lançadas em dvd e por aí vai. A geração que era criança na década de 1980, relembro, foi a primeira efetivamente bombardeada pelo furor consumista ainda não regulamentado.
E não precisava um software para desenvolver essa linguagem. A Tulipa, provavelmente, lê muito, circula muito, participa de um grande grupo do qual, mesmo sem querer, faço parte também. Fazemos parte, acho pouco provável que adolescentes apaixonadas pelo mini Fabio Jr. compartilhem gostos comigo. A Tulipa canta bem e eu anseio por um show dela em BH para dar um grande abraço. Mas ouvir Às vezes me deu o grande medo de ser comum demais, ordinário demais, e também de estar fazendo tudo ao contrário, e de ter ficado comum por ter tentado simplesmente ser diferente do resto.
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