quinta-feira, 8 de julho de 2010

Band-Aid

Um dos primeiros desencantamentos que tive foi quando a minha mãe me levou a um programa infantil daqui de Minas Gerais. Viajamos de Ponte Nova a Belo Horizonte para passar as férias e, entre outras coisas, fomos assistir à gravação do programa. Partindo do pressuposto que só fui entender alguma coisa de operação de câmera, roteiro, direção e congêneres na faculdade, o que mais me surpreendeu (e frustrou) na época foi perceber que as pessoas eram sérias.

Porque criança tem disso, todos riem para ela. Até que não riem mais. Existe um momento em que a criança deixa de ser engraçadinha para virar uma chata, e o adulto se cansa. Mas a apresentadora de tevê, a Tia Dulce, ela sempre sorria. Era ligar a televisão no horário e lá estava ela. Sorrindo, simplesmente, coordenando brincadeiras e servindo de babá. Eu adorava a Tia Dulce como todas as crianças do meu tempo. Continuei gostando depois que fui à gravação do programa. Mas, verdade, me decepcionei muito quando vi a Tia Dulce séria, Rapadura e Pituchinha de cara fechada. Como assim ela não está feliz o tempo todo? Por que ela está brigando com aquele moço? Essa não é a Tia Dulce que eu conheço.

Foi em um programa infantil, ou em uma gravação deste, que comecei a perceber que as pessoas não são o que parecem. A Tia Dulce não é toda fofa, a professora não está sempre correta (e já tive brigas horrorosas com professores por conta disso), o amigo "legal" pode ser um "mala". Adiantando um pouco, foi uma frustração memorável — e quem se lembre de algo ocorrido aos cinco, seis anos de idade que não seja "trauma" levante a mão — que desencadeou o meu processo de entendimento de que todas as pessoas vêm com diferentes nuances. Pai e mãe não contam: o filho nasce acostumado às variações de humor domésticas, para ele os pais "são assim" simplesmente.

Parte de minha personalidade é construída na essência por memórias de frustrações: a noite de Natal em que acordei e vi os meus pais colocando os presentes do Papai Noel nos sapatos (não desejem que seus filhos descubram assim que o Papai Noel não existe – chorei dois bons dias); a briga de colégio que não aconteceu porque as serventes da escola seguraram a mim e ao outro no meio da praça (Fabiano, nunca mais vi); a bolada na cara no jogo de futebol infantil que me fez descalçar as chuteiras para todo o sempre; a surra de cinto que tomei porque comprei um pote de gel da marca "New Wave"; o dia em que "esqueceram" do meu aniversário e eu sumi (não aparecendo, consequentemente, na festa surpresa que pensaram em fazer para mim).

Ontem em uma conversa um amigo disse que estava triste. E respondi: faz bem. Você tem todo o direito de ficar triste quando quiser. As pessoas precisam de preto e branco, luz e sombra, claro e escuro. É tão insuportável uma pessoa cem por cento transbordando felicidade quanto o extremo depressivo. Para contrabalançar a alegria da infância é que existem traumas. A perda da avó, com sua mãe gritando e querendo pular no caixão. A saída do pai de casa. O irmão que quebra o braço, a irmã que toma um ponto debaixo do queixo. E a gente sem saber lidar com tudo aquilo.

Até que de repente chega, devagar, o equilíbrio. Para a vida, claro, dar uma balançada na corda e forçar uma meia-volta. Assim seguimos, eu e todos, rodopiando pratos. Porque além de pagar mico, viver é, um clichê para encerrar, cair do cavalo de quando em vez.

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