segunda-feira, 26 de julho de 2010

Sete anos

Por vezes me questiono a necessidade ou não de expor em um blog parcelas íntimas demais, pessoais demais. Porém, de certa forma, certos tipos de exposição, mesmo parecendo extremamente cruéis e inúteis acabam se tornando também libertadoras. E, no fundo, o que quero hoje é tratar sobre libertação.

Começo com Federico Garcia Lorca, A Casa de Bernarda Alba:

En ocho años que dure el luto no ha de entrar en esta casa el viento de la calle. Haceros cuenta que hemos tapiado con ladrillos puertas y ventanas. Así pasó en casa de mi padre y en casa de mi abuelo. (...) Y no quiero llantos. La muerte hay que mirarla cara a cara. ¡Silencio! ¡A callar he dicho! ¡Las lágrimas cuando estés sola! ¡Nos hundiremos todas en un mar de luto! (...) ¿Me habéis oído? Silencio, silencio he dicho. ¡Silencio!

Para Bernarda, eram oito anos o tempo do luto decretado. Em minha cabeça, quando comecei a pensar esse texto, teriam sido sete. Tenho até hoje a memória da encenação da peça em uma casa velha, com a matriarca nos expulsando ao final, decretando o fechamento da residência pelos próximos anos. Sete. Como os anões da Branca de Neve, e com todo o simbolismo que o número traz em si. Apesar de o texto me contradizer com relação à duração do luto, penso sete enquanto número simbólico ideal.

Sete anos atrás passei parte de meu aniversário em um cemitério de uma cidade perto de São Paulo. Fosse hoje eu teria saído correndo naquele exato momento, fugindo no primeiro sinal. Mas não era, não poderia ter sido hoje. Há sete anos começava, sem eu saber, um tempo de luto. Por ironia o luto vem a se encerrar comigo, de volta a São Paulo, passando o aniversário na Loja da Galinha Morta. Irônico, diria aquele que controla o ciclo da vida.

Sete anos atrás meu pai era diagnosticado com câncer, vindo a morrer alguns anos depois – não trato desse luto específico por agora. Sete anos atrás eu decidi abandonar um emprego no qual permaneci por exatos sete anos. Seria estupidez de minha parte não assimilar a influência dos ciclos de sete em minha vida. Dizem, inclusive, que o paladar humano muda de sete em sete anos. Razão pela qual eu, talvez, tenha provado uma berinjela e gostado, e comido jiló sem achar ruim.

Voltemos ao luto, senão o texto se estende mais do que devia, fica cansativo e não chega ao final arrebatador no qual eu revelo toda a minha verdade, me liberto e tomo uma decisão definitiva que transforma minha vida. (Por favor, se você espera por isso vá ler Sidney Sheldon e me deixe em paz. Não sou uma obra de ficção – elas têm pontos finais. Estou mais para work in progress.)

O fato é que já se foram sete anos nos quais uma parcela, ainda que pequena, de mim mesmo, ficou fechada para as portas e o vento das ruas. Sete anos em que o medo de caminhar pelo centro de São Paulo passeou lado a lado com o desejo de encontrar alguém, acidentalmente, e perguntar: "por quê"? E ter medo de minha reação. E ter medo do desejo. E ter medo das respostas. E ter medo de saber tudo isso pelo simples, natural e humano medo do desconhecido.

Até que.

Até que enfim vi que não é mais isso. Enfim veio o imenso e necessário vazio, pronto para ser preenchido com cores novas. Foi perdido o temor de caminhar e esbarrar sem querer em quem não devia. Perdi a vontade de caminhar e esbarrar em quem gostaria. Perdeu-se o sentido. Não há mais sentido. No hay banda, já mostrou David Lynch.

¡Quiero irme de aqui, Bernarda! ¡Bernarda, yo quiero um varón para casarme y para tener alegria!

Declaro, portanto, encerrado o tempo do luto. E essa é uma carta de despedida que importa pouco. Poderia ir para um baú e ficar por lá a amarelar, calhou de vir para um blog que não sei quem lê. Declaro visto que não há tristeza, não há alegria, não há nada. Talvez uma sombra, como a cicatriz em minha mão, que vez por outra me faz ter história para contar. E uma ou outra prevenção como as que tomo quando entro em lugares onde sou mal atendido. Se houver encontro, quando houver, se é que já não o houve, será um cruzamento entre desconhecidos. Como aqueles que acontecem todos os dias quando cruzamos por transeuntes que nunca mais veremos.

E a quem me perguntar por que tudo isso é importante para estar escrito aqui respondo: porque foi sim minha vida. Agora abro as portas todas deste quarto, deixo o mundo e o sol entrar.

É hora, de novo, de ser livre.

2 comentários:

rOsI disse...

Ai, o medo... ai, o medo, essa medusa alegre e louca...

D.D.F disse...

eeeee´ por isso que eu só escrevo esquisitices. mas todas sáo um pouco de mim. nós que escrevemos temos nescessidsde de nos revelar. uns mais outros menos.