Polvilho, óleo, ovo, leite, sal e, logicamente, queijo. Qualquer mineiro, sujeito nascido no Estado de Minas Gerais, tem noção da receita do pão de queijo, mostrada em uma dezena de versões pelo Terra de Minas ou apreendida na cozinha da avó. Nem todos sabem fazer, mas a receita do pão de queijo deve vir transferida por herança genética, ou embutida em alguma vacina obrigatória de infância.
Fato é que, andando pelas ruas das cidades aqui de Minas, você vai invariavelmente dar de cara com alguma padaria, boteco ou birosca vendendo pão de queijo. Não que gasolina de mineiro seja o pão de queijo, se você perguntar a um mineiro aleatório ele com certeza vai dizer que "nem tanto pão de queijo assim" come, mas o mineiro, sujeito nascido em Minas Gerais, vive em uma dimensão na qual o pão de queijo está disponível em qualquer hora e virou jingle (olhe pro céu / veja se amanheceu / vai por na mesa / um pão de queijo quentinho / é bom demais da conta...).
Mineiro é assim, cercado de pão de queijo por todos os lados. E mente que não consome. Resolvi fazer a contagem do meu consumo de pão de queijo nos últimos dias. Domingo, café da manhã, minha mãe assou um pacote. Ontem à noite, fome emergencial pós trabalho, um pão de queijo de boteco. Outros dois hoje porque não tomei café da manhã e passei em uma lanchonete aqui perto, que faz o melhor pão de queijo da região. E isso é porque, realmente, não como tanto pão de queijo assim, ou seja, sou um alemão que bebe pouca cerveja.
Daí ser pertinente a ponderação da minha professora de Filosofia, razão, em essência, desse texto aparentemente sem pé nem cabeça:
"Você vai viajar. Adora a ideia, ver um lugar diferente, passear, sair dessa cidade, espairecer a cabeça. No primeiro dia é aquela alegria. Segundo dia, beleza. Dá o terceiro dia começa aquela ansiedade, daí você vai e fala: mas como essa cidade não tem um pão de queijo? Não adianta, ser humano sente falta do hábito."
E como negar? E como negar que a comida da sua mãe só não é melhor que a da sua avó, como negar que você gosta sim de usar aquela roupa velha e de dormir no seu colchão que até já afundou no contorno do seu corpo? E por que negar que festa de família é um saco mas você vai assim mesmo, e gosta quando está lá, até sair a primeira briga. E daí você fala que não volta mais, até a próxima festa, e sai de novo e de novo reclamando que o tio Fulano vive enchendo o saco?
Somos, os mineiros e os outros, indivíduos extremamente arraigados a nossa segurança, ao conforto do todo dia, à possibilidade de comprar pão de queijo em qualquer bar de esquina. Em outra mão, tentamos ser transgressores: vamos fazer pós-graduação na Europa, e lá não tem pão de queijo. Mas pedimos pelo amor de deus para a visita trazer um pacote de polvilho. Rompemos com tudo para trabalhar fazendo pesquisa na Antártida, e sentimos saudade do cheiro do arroz com feijão da casa da mãe. Assim fazemos e permaneceremos, até nascer uma nova raça.
Nunca fui avesso a tradições (nem a comfort food). O cotidiano é minha zona de segurança, suficientemente solidificada, em um patamar que, por hoje, afirmo: "não sei viver em um universo no qual não exista o pão de queijo". Daqui algumas luas posso mudar de afirmativa, jogar tudo para o alto e me (re)redefinir. Porém, se me conheço, vou carregar uma sacola com queijo Minas e polvilho para qualquer lugar aonde eu for.
sexta-feira, 13 de maio de 2011
quarta-feira, 4 de maio de 2011
De novo o pato, a morte... e a tulipa
Há algum tempo escrevi aqui sobre uma peça de teatro, chamada Mas que história é essa? Era setembro do ano passado. De lá para cá algumas coisas mudaram: eu li o livro, e a Morte fez um breve passeio por perto. De todo modo, a peça vai entrar em cartaz de novo, por um dia. E vale a pena revisitar, reler, e levar as crianças.
"Viemos ao mundo para amar a vida."
Pensamos ser difícil ensinar Filosofia a crianças... Talvez não o seja. Talvez seja fácil por demais. Porque as crianças têm uma imensa capacidade de assimilação, de absorção daquilo que a elas é interessante. Difícil, então, não deve ser ensinar. Filosofia, Astronomia, Matemática, Literatura, não importa, a criança é capaz de aprender. Desde que, claro, você desperte a sua atenção e a mantenha interessada. Só que isso, prezado, é tarefa de profissionais.
O pato, a morte, e a tulipa em questão não são – mas o são – os personagens dos livros de Erlbruch. E não o são porque oficialmente não os li. Até tentei, não tinha na loja. Mas são, vieram dos livros e subiram no palco, delicadamente apropriados pela Érica [Lima]. Pato e Morte estão dentro da história que a Érica quer contar. Que é uma história sobre contar histórias. Ou, ainda, sobre como encantar as crianças.
Confesso que, enquanto ator, sou um clown frustrado. Apesar de nunca ter trabalhado ou desenvolvido meu clown, [acho que] sei que o meu personagem vai parar na linhagem dos tristes. Imagino meu clown como aquele palhaço horrível das gravuras da década de 1970. Assistir a um trabalho de clowns, para mim, é exercício que demanda paciência, desprendimento e desapego.
Mas que história é essa? [a peça de teatro] começa justo com dois clowns. Dois atores totalmente seguros de seu trabalho, e eu pensando em quanto de pirueta e acrobacia, e morrendo de inveja do condicionamento físico dos dois, e trabalho de cena ia ter de ver. Até que.
Até que tudo deixa de ter importância e, assim, na história de dois clowns contando uma história sobre contar histórias – que, juro, pensei que ia ter de passar óleo de peroba no rosto, fazer cara de paisagem e dizer que "é interessante" –, de repente a gente vê que o circo todo é montado para – perdão o trocadilho infame – cairmos como patinhos na rede armada pela autora [a Érica Lima], diretores [Marcelo Xavier e a própria Érica], elenco [Marcus Vinícius e Rubens Ramalho]. Somos plena e ludicamente encantados, adultos e crianças da plateia, para mergulhar em águas um pouco mais profundas. Como marinheiros que ouvem o canto das sereias.
Uma vez nós, público, devidamente rendidos, os atores nos têm na palma da mão. E abusam, dando vida a um Pato – que de pato, fisicamente, só tem o nome – e à inevitável, aquela que está sempre ao nosso lado (e por isso nunca se atrasa), a Morte. E nos fazem presenciar esse encontro, um tanto quanto inusitado, e a refletir sobre o sentido da vida. Cada qual de seu modo, adulto, criança, pato, somos levados a pensar na grande questão de para quê (ou por que) vivemos. E a resgatar a lembrança da finitude da vida. Tudo com uma grande (e abusada) delicadeza...
A Érica [Lima] deveria escrever mais. Deveria atuar mais também, mas isso fica entre eu e ela. Mas que história é essa? está pronta para começar. Se eu fosse você aproveitava a jornada... até mesmo sem levar criança alguma. Afinal, o espetáculo definitivamente não é só para elas.
Mas que história é essa?, uma produção do grupo Real Fantasia, está em cartaz no Teatro Dom Silvério, mas só no dia 7 de maio... A entrada (inteira) custa R$10, e não dá pra perder!
E a tulipa? Bem, a tulipa...
"Viemos ao mundo para amar a vida."
Pensamos ser difícil ensinar Filosofia a crianças... Talvez não o seja. Talvez seja fácil por demais. Porque as crianças têm uma imensa capacidade de assimilação, de absorção daquilo que a elas é interessante. Difícil, então, não deve ser ensinar. Filosofia, Astronomia, Matemática, Literatura, não importa, a criança é capaz de aprender. Desde que, claro, você desperte a sua atenção e a mantenha interessada. Só que isso, prezado, é tarefa de profissionais.
O pato, a morte, e a tulipa em questão não são – mas o são – os personagens dos livros de Erlbruch. E não o são porque oficialmente não os li. Até tentei, não tinha na loja. Mas são, vieram dos livros e subiram no palco, delicadamente apropriados pela Érica [Lima]. Pato e Morte estão dentro da história que a Érica quer contar. Que é uma história sobre contar histórias. Ou, ainda, sobre como encantar as crianças.
Confesso que, enquanto ator, sou um clown frustrado. Apesar de nunca ter trabalhado ou desenvolvido meu clown, [acho que] sei que o meu personagem vai parar na linhagem dos tristes. Imagino meu clown como aquele palhaço horrível das gravuras da década de 1970. Assistir a um trabalho de clowns, para mim, é exercício que demanda paciência, desprendimento e desapego.
Mas que história é essa? [a peça de teatro] começa justo com dois clowns. Dois atores totalmente seguros de seu trabalho, e eu pensando em quanto de pirueta e acrobacia, e morrendo de inveja do condicionamento físico dos dois, e trabalho de cena ia ter de ver. Até que.
Até que tudo deixa de ter importância e, assim, na história de dois clowns contando uma história sobre contar histórias – que, juro, pensei que ia ter de passar óleo de peroba no rosto, fazer cara de paisagem e dizer que "é interessante" –, de repente a gente vê que o circo todo é montado para – perdão o trocadilho infame – cairmos como patinhos na rede armada pela autora [a Érica Lima], diretores [Marcelo Xavier e a própria Érica], elenco [Marcus Vinícius e Rubens Ramalho]. Somos plena e ludicamente encantados, adultos e crianças da plateia, para mergulhar em águas um pouco mais profundas. Como marinheiros que ouvem o canto das sereias.
Uma vez nós, público, devidamente rendidos, os atores nos têm na palma da mão. E abusam, dando vida a um Pato – que de pato, fisicamente, só tem o nome – e à inevitável, aquela que está sempre ao nosso lado (e por isso nunca se atrasa), a Morte. E nos fazem presenciar esse encontro, um tanto quanto inusitado, e a refletir sobre o sentido da vida. Cada qual de seu modo, adulto, criança, pato, somos levados a pensar na grande questão de para quê (ou por que) vivemos. E a resgatar a lembrança da finitude da vida. Tudo com uma grande (e abusada) delicadeza...
A Érica [Lima] deveria escrever mais. Deveria atuar mais também, mas isso fica entre eu e ela. Mas que história é essa? está pronta para começar. Se eu fosse você aproveitava a jornada... até mesmo sem levar criança alguma. Afinal, o espetáculo definitivamente não é só para elas.
Mas que história é essa?, uma produção do grupo Real Fantasia, está em cartaz no Teatro Dom Silvério, mas só no dia 7 de maio... A entrada (inteira) custa R$10, e não dá pra perder!
E a tulipa? Bem, a tulipa...
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