sexta-feira, 13 de maio de 2011

Reflexões sobre o pão de queijo

Polvilho, óleo, ovo, leite, sal e, logicamente, queijo. Qualquer mineiro, sujeito nascido no Estado de Minas Gerais, tem noção da receita do pão de queijo, mostrada em uma dezena de versões pelo Terra de Minas ou apreendida na cozinha da avó. Nem todos sabem fazer, mas a receita do pão de queijo deve vir transferida por herança genética, ou embutida em alguma vacina obrigatória de infância.

Fato é que, andando pelas ruas das cidades aqui de Minas, você vai invariavelmente dar de cara com alguma padaria, boteco ou birosca vendendo pão de queijo. Não que gasolina de mineiro seja o pão de queijo, se você perguntar a um mineiro aleatório ele com certeza vai dizer que "nem tanto pão de queijo assim" come, mas o mineiro, sujeito nascido em Minas Gerais, vive em uma dimensão na qual o pão de queijo está disponível em qualquer hora e virou jingle (olhe pro céu / veja se amanheceu / vai por na mesa / um pão de queijo quentinho / é bom demais da conta...).

Mineiro é assim, cercado de pão de queijo por todos os lados. E mente que não consome. Resolvi fazer a contagem do meu consumo de pão de queijo nos últimos dias. Domingo, café da manhã, minha mãe assou um pacote. Ontem à noite, fome emergencial pós trabalho, um pão de queijo de boteco. Outros dois hoje porque não tomei café da manhã e passei em uma lanchonete aqui perto, que faz o melhor pão de queijo da região. E isso é porque, realmente, não como tanto pão de queijo assim, ou seja, sou um alemão que bebe pouca cerveja.

Daí ser pertinente a ponderação da minha professora de Filosofia, razão, em essência, desse texto aparentemente sem pé nem cabeça:

"Você vai viajar. Adora a ideia, ver um lugar diferente, passear, sair dessa cidade, espairecer a cabeça. No primeiro dia é aquela alegria. Segundo dia, beleza. Dá o terceiro dia começa aquela ansiedade, daí você vai e fala: mas como essa cidade não tem um pão de queijo? Não adianta, ser humano sente falta do hábito."

E como negar? E como negar que a comida da sua mãe só não é melhor que a da sua avó, como negar que você gosta sim de usar aquela roupa velha e de dormir no seu colchão que até já afundou no contorno do seu corpo? E por que negar que festa de família é um saco mas você vai assim mesmo, e gosta quando está lá, até sair a primeira briga. E daí você fala que não volta mais, até a próxima festa, e sai de novo e de novo reclamando que o tio Fulano vive enchendo o saco?

Somos, os mineiros e os outros, indivíduos extremamente arraigados a nossa segurança, ao conforto do todo dia, à possibilidade de comprar pão de queijo em qualquer bar de esquina. Em outra mão, tentamos ser transgressores: vamos fazer pós-graduação na Europa, e lá não tem pão de queijo. Mas pedimos pelo amor de deus para a visita trazer um pacote de polvilho. Rompemos com tudo para trabalhar fazendo pesquisa na Antártida, e sentimos saudade do cheiro do arroz com feijão da casa da mãe. Assim fazemos e permaneceremos, até nascer uma nova raça.

Nunca fui avesso a tradições (nem a comfort food). O cotidiano é minha zona de segurança, suficientemente solidificada, em um patamar que, por hoje, afirmo: "não sei viver em um universo no qual não exista o pão de queijo". Daqui algumas luas posso mudar de afirmativa, jogar tudo para o alto e me (re)redefinir. Porém, se me conheço, vou carregar uma sacola com queijo Minas e polvilho para qualquer lugar aonde eu for.