terça-feira, 21 de setembro de 2010

60 Minutos (voo solo em três atos)

Ato 1: 2008
No meio das atividades que desempenho todos os dias está o papel de professor de inglês. Não sei se gosto. Gosto de dar aulas, é bom. Porém como não sou muito chegado em gente burra, a minha paciência enquanto professor fica bastante reduzida. Entenda: ninguém tem obrigação de saber inglês, aulas existem para ensinar. Só que existem professores e professores e, se tenho o dom, deve ser mais para administrar grupos de discussão. Ou não, até porque, paradoxo, opto sempre por trabalhar com iniciantes. Também não gosto de corrigir prova, preencher diário de classe, toda aquela burocracia que acompanha o ato de lecionar em si.

Sem muita viagem, esse é um texto em três atos, ainda estamos no segundo parágrafo e eu não disse a que vim, enquanto professor vez por outra a gente tem treinamentos, eventos geralmente patrocinados por alguma editora de livros didáticos da área, nos quais a gente vai para ouvir alguém falar em inglês sobre como dar aulas de inglês, receber propaganda, concorrer a um kit de livros, encher a barriga no coffee-break e, claro, mostrar aos outros professores concorrentes o quanto você sabe falar em inglês. Rebelde como sou, geralmente nesses eventos respondo em português a qualquer idioma que falem comigo.

Em 2008, o último dos eventos a que fui, um autor paulistano especializado no ensino para crianças comparava o processo de aprendizagem a uma corrida. Ilustrou a fala com fotos dele mesmo participando de uma prova de rua, imagens do homem devidamente trajado para a competição, se alongando para a prova, durante a corrida e, claro, chegando no final. Tirando o mico que o cara pagou, em algumas fotos ele fazia caras e bocas de ator de cinema mudo, achei a ideia interessante. Quem participa de provas de corrida (amadores, deixemos os corredores profissionais para lá) sabe que o objetivo é concluir a prova respeitando os próprios limites. Por isso todo mundo ganha medalha. Ensinar um idioma é dar a pista para a pessoa correr dentro de sua capacidade. Importante é o percurso; a chegada é consequência.


Ato 2: 2009
Comecei o ano de 2009 com 101 quilos e terminei com 79. Não se animem, ganhei peso depois disso e tenho um longo caminho em busca dos 75 ideais segundo a matemática. No começo do ano não dei aulas, por isso não frequentei palestras. Dei um tempo para cuidar de coisas básicas como emagrecer, diminuir o colesterol, a capa de gordura e evitar um diagnóstico precoce de diabetes. Enfim: manter-me vivo com um mínimo de decência e sem dar trabalho a ninguém.

O processo de retomada da saúde física envolveu dieta, controle médico e exercícios. Tive de colocar na cabeça que academia passaria a fazer parte da minha rotina pelo resto da vida, que chá verde não é o fim do mundo (beba quente: frio ou morno amarga horrores), que produtos integrais são nossos amigos e que não, não pode comer doce todo dia. Também tive de enfrentar alguns monstros como peitoral voador, elipticon, banco extensor, remo e graviton. Depois da tortura medieval dava para pelo menos ligar a esteira e, como sou um rapaz comportado, o povo da academia me deixava em paz até mesmo para ficar mais tempo que o permitido para todos.

Foi nessa época que aconteceram eventos, não lembro exatamente em que ordem. Um dos estagiários da academia me viu na esteira, disse que eu tinha “uma boa arrancada” e que deveria correr na rua. Eu ri, não muito obrigado. Outro estagiário resolveu criar um grupo de corrida e me chamou, não muito obrigado. A minha médica, Dra. Ângela, disse que eu devia correr na rua, eu ri de novo e disse que ela estava louca. Uma amiga minha começou a correr e vivia me chamando e eu, não, não tenho treinamento para isso. Mas uma vez tentei fazer uma inscrição: esgotada. Interpretei como sinal de não é para mim, principalmente depois de ouvir dentro de casa que não tenho condicionamento físico para isso, que minha família sofre do coração e que eu poderia ter um troço no meio da corrida, cair duro e morrer.


Ato 3: 2010
No segundo semestre de 2009, mais ainda no começo desse ano, voltei a dar aulas toda noite ou quase. Hoje meu horário útil enquanto professor, de segunda a quinta, encerra às 20h. Sábado de manhã até o meio-dia. Com isso dei uma desandada geral na academia, na dieta, voltei a ter o chocolate amargo como amigo e companheiro de colégio. Resultado engordei. Fim, vamos recomeçar. A Dra. Ângela até entendeu algumas de minhas razões mas o fato real é que dei mesmo uma desanimada. Acontece.

Mas, como cada um tem seu tempo, resolvi que não tenho bolso para ficar trocando de guarda roupas toda vez que mudo de corpo e que eu tinha de novo de tomar vergonha na cara e deixar a moleza de lado. Retomei, em parte, a academia, indo sempre que dava. (Um aparte: o mais difícil de ir à academia não é fazer os exercícios e sim romper a barreira que separa o seu lugar de origem, casa, trabalho, da academia propriamente dita. Uma vez lá dentro, acredite em mim, você faz tudo normalmente.) Como fiquei parado um tempo, a professora me deu "bomba", voltando para os aparelhos básicos e alternando com atividade aeróbica como se fosse um circuito. Praticamente não posso parar muito além dos 20 segundos de intervalo entre uma série e outra, dói pra caramba, mas é preciso fazer o corpo voltar a lembrar que ele se mexe e não fica só jogando fazendinha nas horas vagas.

Conversando com a mesma amiga que vivia me chamando para correr na rua, ela tanto insistiu para eu participar de uma prova (revezamento) com ela, que enfim cedi. "Põe logo meu nome nessa coisa então e me dá sossego", falei. 5 milhas, ou 8 quilômetros. Em casa foi o caos: você vai morrer, tem de preparar mais um ano, vai cair duro no chão, não vai dar conta. Fiquei mesmo com medo, sou um cagão. Mas fui. Ok, fui porque bateram uma aposta que eu não ia, e quer me fazer fazer alguma coisa é dizer que eu não vou. Teimoso, eu? Imagina.

Domingo passado acordei seis da manhã. Seis e meia na rua, carona pro local da corrida. Que começou as oito, mas como eu era o número dois tive de esperar minha amiga terminar a primeira parte do percurso, pouco mais de uma hora. Nove e dois lá estava eu com uma rua pela frente, me orientando exclusivamente por um tanto de cavalete e fita zebrada. Com música no ouvido, um podcast que baixei na última hora (duração: 1h40, achei que dava para acompanhar a corrida toda sem mudar de faixa), e meus tênis. Só. Correndo. Com o vento frio na cara. E achando bom.

A foto comprova: corri. Gostei. E como estou escrevendo dá para deduzir que não morri. Hoje fui na Dra. Ângela com a medalha (todo mundo que termina a corrida ganha medalha, lembra?) e ela, toda feliz, falou para eu fazer a volta da Pampulha ano que vem, a louca. Por enquanto vou devagar. Dia 23 de outubro tem a night run, inscrevi para os 5km. Três a menos que domingo, achei melhor assim. 10km é muito para os meus atuais 88kg. Enquanto isso vou treinando, não posso fazer feio. Coisa interessante é que meu rendimento na rua foi maior na esteira: 8km em quase 60 minutos. Achei que fosse ser diferente. Sobraram 40 minutos do podcast.

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