quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Da interpretação

Para começar como todo mineiro, um caso. Era 1998, não sei mais precisar o mês, quando no meu trabalho pediram para eu fazer uma capa de livro baseada nos bordados de João Cândido Felisberto, o "Almirante Negro" da Revolta da Chibata, que bordava nos tempos livres. Simples assim: peguei uma foto de um pano de prato, tratei para que ela ficasse em tons de azul claro (azul que, vim a saber depois, é sempre a primeira cor escolhida por quem não sabe o que vai fazer), encaixei no projeto gráfico preexistente e fim. Capa montada.

O autor viu a tal da capa (que foi parar até na revista Veja – em um tempo no qual eu me importava com isso), e – disseram – ficou muito emocionado. Disseram depois, também, que eu, capista, queria transmitir tal e tal coisa com a capa, que a delicadeza do bordado, que a linguagem, blá-blá-blá... Tudo mentira. Eu não queria “dizer” nada com aquilo. Só trabalhei em cima de um material que me deram. Sem intenção alguma de produzir um sentido que transcendesse a imagem ali exposta. A tal capa, para mim, é, foi e será uma foto de pano de prato. Sem mais.

Esse caso específico me leva a pensar nas aulas de literatura. Aquelas. Drummond escreveu que "tinha uma pedra no meio do caminho". O povo entendeu tudo e mais um pouco. Que ele tinha brigado com a esposa, que não estava satisfeito com a vida, que queria causar um grande falatório com o tal poema. Pois bem, senhores, para mim Drummond estava andando na rua, tropeçou, não tinha mais o que fazer da vida naquela hora e decidiu escrever um poema para a tal pedra. "Ah mas você está reduzindo muito a sua visão frente o grande poeta que Drummond foi." Talvez. Por sorte, na aula de literatura, nunca me pediram para interpretar Drummond. Mário de Andrade uma vez e, no salto dos meus então 15 anos, fiz uma crítica descendo a lenha em "Amar, verbo intransitivo" (que odiei, claro). Não tirei zero, lembro, mas tenho certeza de que se fosse Drummond e a sua pedra eu teria ficado de recuperação.

Enfim... Onde quero exatamente chegar com isso? Ao ponto mais simples de todos: na maior parte das vezes o que escrevo aqui é para ser lido tal como escrito, sem entrelinhas. Não produzo literatura – não aquela das aulas de colégio. Dos textos mais perfeitos para mim é receita de bolo. Dois ovos, farinha, leite, fermento e forno. Sem margem a "o que ele quer dizer isso". Receita de bolo e rótulo de embalagem.

Então, prezado leitor, quase sempre (reservo-me o direito das metáforas), o que está anotado aqui deve ser lido de forma corriqueira, como quem lê uma receita. Minhas dores, crenças, desafetos e lamentos quase nunca chegam emoldurados ou com passe-partout. E essa afirmativa é – e será daqui para frente – importantíssima. Entenda esse texto (eu, o autor, veementemente sugiro) como um guia de leitura do que está por vir.

Porque, como sempre, o que deveria ser um "parágrafo inicial" tomou vida própria. E encerro por hora para não ficar grande demais.

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