sexta-feira, 23 de abril de 2010

Perdendo dentes

Fazem alguns dias sinto-me um tanto oco. Como se um pedaço faltasse nalgum lugar, algo meio que orobórico, como se eu estivesse a perseguir meu próprio rabo. Como um cão o faz, dando voltas em torno de si próprio para morder a cauda. Filosoficamente falando, o homem é um animal em busca da sua incompletude. Sempre quer aquilo que falta, e quando encontra dá-se por insatisfeito. Quer algo além. Esse algo além foi o que fez o homem andar e construir prédios. Também o levou a fazer guerras.

A maior guerra que uma pessoa trava é consigo própria. Encarar um campo de batalha não deve ser tão terrível quanto levantar da cama todos os dias. Achar motivo para dar o passo primeiro e iniciar a jornada é guerra, guerra interna dura e sofrida. Guerras são feitas de batalhas e já diz o ditado quem não se pode ganhar todas. Portanto reservo-me dias de derrota e de recolhimento. Eles são poucos se comparados à alegria descomunal de chegar em casa e descansar com a sensação de batalha justa.

Porém, assim como a todos, também me é dura a sensação da perda. Perder não é bom, ganhar é bom, aprendemos assim. Ainda que, e citando letra de música de um grupo que não gosto muito (mas se chama Pato Fu): "As brigas que ganhei / Nem um troféu / Como lembrança / Pra casa eu levei // As brigas que perdi / Estas sim / Eu nunca esqueci / Eu nunca esqueci".

Perder é também aprendizado. É treino para morte, sem a inexorável inevitabilidade desta outra. Perde-se hoje e vivencia-se um pouco a sensação do “estar-sem”. Estar sem algo, sem alguém, é ruim, é triste, é por vezes necessário. Meu oco faz-se em função do vislumbre da possibilidade de grandes perdas. Presenciais e intelectuais. Que se ampliaram para além de meus limites.

Algumas perdas reversíveis e outras irremediáveis. Todas com a mesma sensação de "eu aproveitei menos do que poderia". Mas perdas, anyway. Sem retorno. Os caminhos são sem retorno, não se involui naturalmente. O que há, quando há, é recomeço. Podemos, quando quisermos recomeçar. A menos que estejamos mortos de verdade.

* A dois: a você e ao meu avô.

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