Era ainda a primeira editora na qual trabalhei quando ouvi falar a primeira vez sobre o livro das passagens de Walter Benjamin. Livro que, impresso, foi parar nas lojas apenas em 2006, comigo já em transição entre o segundo e o atual terceiro emprego registrado na carteira de trabalho. Sou dos que duram na mesa de trabalho.
O título das passagens (no original "Passagens Parisienses", acabou saindo no Brasil apenas como "Passagens" mesmo) sempre me intrigou. O que seriam as tais passagens que precisavam de mais de mil páginas e não ficaram prontas, o homem morreu antes? Pois, claro, o livro trata da arquitetura de Paris – o que eu não sabia na época – e não, como supus, de uma análise filosófica de passagens da Bíblia.
Sim. Eu tenho o direito de interpretar um título como bem entender e, convenhamos, o termo "passagens" é bastante amplo e comporta significados diversos.
Fiquemos, por ora, na arquitetura. Da minha janela, na hora que escrevi esse texto em meu caderno, dava para ver uma ponte. Uma passagem. Que liga o centro da cidade ao bairro da Floresta. Por ela os carros, e as pessoas, passam.
As pessoas passam.
As pessoas passam, repito uma terceira vez. E quem me conhece sabe que vejo isso – essas palavras – como mots de ma vie. Não trato aqui da morte. Não me sinto maduro o bastante para analisar o efeito recente desse tipo de passagem na minha vida. Trato da morte depois, em um texto que vem sendo ruminado em minha cabeça há mais de um mês.
As pessoas passam porque é natural o ato de passar. Os amigos de hoje não são os mesmos de ontem e (muitos deles) não serão os mesmos de amanhã. Não há qualquer garantia de que eu vá jogar damas no asilo com meu colega de infância. Até pode acontecer, mas aí é destino.
Todos os dias "passamos" por rostos desconhecidos quando atravessamos a rua. Com a rotina do trabalho, acabamos passando por mais de dois rostos comuns cotidianamente, costumeiramente. Rostos que, apesar de conhecidos, são passageiros como nós mesmos os somos. Passageiros impermanentes na essência.
A consciência de que as pessoas passam é premissa importante para a prática do desapego. Não fui convidado para tal festa... Qual o problema? Não vejo mais aquele grande amigo... Quais interesses mudaram? E em definitivo o que realmente importa?
As passagens também retêm, por vezes. Por vezes as pessoas param. Sem querer. Por querer. Não querendo. E, inexoravelmente (aqui, e somente aqui, falo de morte), passam de vez. Importa, no fim, os traços e os rastros da passagem das pessoas por sua ponte. O valor que estas agregam a você enquanto passagem.
E importa, também, saber a hora de "deixar ir", de "deixar fluir" o ciclo (o trânsito?). Até porque, enquanto passagem, existe sempre a possibilidade de retorno. Nem que, antes, tenha sido preciso dar uma volta no mundo.
* Para as pessoas na minha ponte. As que estão e as que virão. As que passaram... bem, elas passaram.
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Um comentário:
Gostei do seu texto.
Você escreve muito bem. Vou aparecer de vez em quando.
Um beijo!
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