sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Inveja do tempo

Saindo atrasado e impaciente de casa, tento pegar táxi no lugar de sempre e a rua está, como em todas as sextas-feiras, inviável. Mudo o endereço e vou pegar o carro de praça em meio a um fluxo de gente digno de compras de Natal. E ônibus, muitos. Culpa de quem não sai de casa na hora marcada é trânsito ruim. Que o digam as manhãs de segundas e sextas. Dentro do táxi — e já sabendo que vou invariavelmente chegar fora do horário no trabalho como em todos os outros dias da semana — o motorista comenta sobre a falta de tempo.

Ele, diz, está há vinte anos na praça e antes tinha tempo para fazer suas corridas mais um monte de coisas. Hoje gasta o dia por conta do trabalho. Quase respondi eu também ao chofer, mas preferi render o assunto escutando o homem. Que (sorte) não estava com a Rádio Itatiaia ligada.

Sabemos que nosso tempo livre escasseou. A impressão que tive é que, como antes meus horários eram poucos para estudar e fazer nada, isso seria reflexo do ato de ficar adulto. Mas como um senhor na casa dos seus 50/55 anos, ainda não em vias de aposentar porém ao mesmo tempo com uma carreira de taxista bastante extensa, chega à mesma conclusão de alguém (no caso eu), com uma faixa etária diferente? Aí veio o medo: será que aos 55 anos estarei trabalhando muito mais que eu hoje aos 30 e poucos, o suficiente para reclamar que aos 30 a vida era mais folgada?

A situação piora um pouco quando me pego pensando que em novembro completo 15 anos de carreira no mercado editorial. Comecei em 1996 e olhando por esse viés os meus tempos ditos "livres" (e eram livres, eu ia ao cinema à tarde) foram também pontuados por trabalho. Ou seja, eu trabalhava, estudava, matava aula para ir ao boteco, marcava presença em festas e tinha o hábito de não sair sextas nem sábados, porque eram dias para amadores. Na verdade continuo achando isso.

Quando passamos minha vida para 2011 a rotina é casa, trabalho, cinema algumas vezes, casa. Deveria ter academia no meio do caminho, terá... (fazendo força para acreditar). Fim. Minha vida não tem festas maravilhosas ou baladas que viram a noite ou episódios memoráveis que renderiam roteiro. Daí a inveja.

Passeando por perfis de conhecidos (reduzi meus amigos para cerca de uma mão), todo mundo tem festa todo dia. Todo mundo é lindo, todo mundo tem mais dinheiro que eu, todo mundo pode tudo. Festa na terça? Estamos lá enchendo a cara — e não me perguntem a fórmula mágica para trabalhar na quarta-feira. Feriado? Emendamos. Férias? Três vezes por ano, pelo menos, com direito a uma viagem internacional e chuva de fotos. Et caetera. Fica a sensação de que o mundo inteiro é mais legal que você.

Conversando com uma amiga (tenho cinco dedos na mão) ela comenta que na verdade a gente tem uma sensação ampliada do que é de fato real. Que não, as pessoas não são tão interessantes quanto aparentam ser. Que não são tão bonitas quanto parecem, aliás. Mas mesmo assim fica para mim a impressão de ter deixado o meu bonde correr, e jogando para um devir pequenos prazeres que deveriam estar sendo aproveitados agora. Fica uma grande inveja de quem consegue administrar o tempo, ser lindo, descolado, bem relacionado e pagar todas as suas contas. Nesse quesito estou verde, muito verde.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

(Re)começar. De novo...

Então foi assim: todo mundo acreditava, todo mundo meio que dava como certo, todo mundo menos eu. De algum modo o roteiro estava perfeito e redondo demais para simplesmente acontecer assim, quase como em um piscar de olhos. Estudei? Sim. Talvez não tanto quanto os 200 selecionados, mas estudei. Só que um 15 (em 100) na Geografia mandaram o recado de "agora não".

Foi, literalmente, a primeira vez que não passei no vestibular (até quando não queria passava). Sendo coerente com meu texto anterior, as provas estavam tranquilas. O suficiente para eu ter certeza que fui bem – até conferi as correções dos professores de cursinho e meu texto batia com as respostas. Mas quem corrigiu a prova devia estar de mau humor, ou, provavelmente, como me disseram, faltaram os termos chave.

De todo modo, tentando superar o trauma e encerrar esse assunto de vez até agosto, foi válido. Para me despojar de qualquer aura de soberba que provavelmente incorporei e, talvez muito principalmente, para dar valor à coisa quando ela acontecer.

Agora é tempo de equilibrar tudo e tentar correr fluido. Voltei a malhar, quero ver se retorno a um peso razoável e deixo a forma de barril para trás de vez; voltei a escrever, aqui pelo menos; tenho novos projetos que incluem, também, novo Enem e novo vestibular. Medo de fazer de novo não tenho; preguiça muita ainda. Mas é preciso e – quem sabe – daqui seis, sete anos eu não diga "olha, ainda bem que não passei de primeira". Aguardemos.

Trilha: cd Quanta (1997), do Gilberto Gil.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Do vestibular

Belo Horizonte, todo começo de ano, tem uma campanha de popularização do teatro, com ingressos a preços populares para ninguém ter desculpa de não assistir pelo menos uma peça. Logicamente são rios de comédias, algumas anos a fio em cartaz como se fosse na Broadway, mas dá para peneirar algo interessante. Foi assim, por conta da campanha, que fui assistir à adaptação local do livro Máquina de Pinball, da Clarah Averbuck.

Essa não é outra crítica teatral, não sou Barbara Heliodora e não tenho pretensões a. Na verdade a citação à peça é para justificar de onde vi alguém falando que brasileiro tem neurose para chegar na frente. Então, foi lá. Um trio de atores dizendo que enquanto americano, europeu, tem fobia de terrorista, a neurose do brasileiro é esta: chegar primeiro. Sentar na cadeira da frente. Ocupar o banco mais alto do ônibus. Meter o carro em qualquer brecha de asfalto na rua para chegar antes, sabe-se lá o porquê. Só que é verdade e a gente alguma hora tem de parar para pensar qual tipo de educação damos, já que mudar cabeça de velho é mais difícil. Enfim.

Vestibular.

Comprei um livro do Luis Fernando Verissimo (Mais comédias para ler na escola) e ele fala em uma das crônicas do suplício do vestibular; que todo ano é aquele festival de cenas de gente chorando com o portão fechado no último minuto e os que terminam a prova ficam olhando para o infinito com "aquele ar de sobrevivente da Marcha da Morte de Bataan". Verissimo comenta também o personagem "mãe de vestibulando", geralmente uma figura mais nervosa que o próprio filho.

Daí que esse ano fiz vestibular. Eu que não tenho filhos e provavelmente não terei, aos 33 anos envolvido com dilema adolescente do mesmo jeito. Tirando que a coisa toda era "para mim". Eu, que não tenho diploma universitário (fui universitário, só não concluí o curso), resolvi dar uma chance ao acaso e — por que não? — mais uma vez me reinventar. O resultado ainda não saiu, parece que soltam a lista no fim do mês, mas tiro algumas conclusões óbvias. De que idade ajuda muito na hora de fazer a prova. E de que a coisa não é tão difícil quanto parece. Posso, claro, ter tirado um zero federal nas provas discursivas; o que não vai me impedir de dizer que elas são, até certo ponto, tranquilas.

Portanto qual seria o grande problema que transforma o tal concurso no purgatório de pais de adolescentes? (Porque os filhos, senhores pais, estão nem-aí para prova, fiquem sabendo... Eu estava lá.) Na minha opinião são pelo menos duas as razões do pavor. De que o filho seja burro (e com isso prove que os pais não cumpriram o seu dever social de educar — como se passar em vestibular fosse o exemplo supremo da educação). E, claro, a neurose tupiniquim que me mostraram na peça. Mas como assim meu filho não está na lista? Não está, senhora, não está. E agradeça porque ele não está e vai poder passar pelo menos mais um ano amadurecendo.

Admiro o hábito em alguns países (estou com a Inglaterra na cabeça, deve ter outros) de os filhos tirarem um período sabático antes de começarem os estudos ditos profissionalizantes, seja curso superior ou não. Eles vão viajar, passam um tempo em outro país, trabalham, vivem suas vidas. Porque, gente, hipocrisia de lado, aos 17-18 anos (idade que eu entrei na universidade) a garotada quer mais é beber vodka vagabunda, beijar na boca (mais de uma por noite, se puder), fumar sabe Deus o quê, tudo menos estudar. E estão todos exercendo seus plenos direitos de jovens recém-livres e emancipados. Vão quebrar a cara, claro... Quebrar a cara também é direito adquirido.

Mais uma vez em minha opinião, deveriam estabelecer idade mínima para se entrar na faculdade. Tem idade para dirigir, idade para beber, idade para ser Presidente da República; que estabeleçam faixa etária para universidade. Não precisa muito, 19 anos e está bom. Nem seria tão polêmico assim. E que nesse intervalo as pessoas possam acumular um pouco mais de bagagem. Para não dormir na aula de filosofia, ou para não ir fazer prova de política completamente de ressaca. Para pensar naquilo que realmente querem. Para poderem aproveitar melhor o dito curso superior, seja ele público ou não. E principalmente para darem um retorno de qualidade à sociedade. Não fiz pesquisa, mas alguém aí arrisca dizer quantos conhecidos fizeram uma faculdade e não exercem a profissão registrada no diploma? Então.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O correto insuportável

Ontem na fila do teatro encontro uma antiga conhecida, professora universitária que nunca me deu aulas, apesar de eu ter estudado no mesmo curso e na mesma faculdade que ela até hoje trabalha. E nos pegamos maravilhosamente conversando sobre como a vida cria mecanismos para ficar cada vez mais, na falta de um melhor termo, chata.

Era peça infantil e a produção resolveu dar os programas (que tinham uma máscara para recortar e usar depois) somente às crianças. Nem eu nem ela temos filho e logicamente ficamos sem programa. Nisso ela solta que quase disse ser minha mãe e que eu tinha problema mental, para sensibilizar a moça da produção, mas ela achou melhor não fazer, porque dizer que o filho é retardado nos dias de hoje é politicamente incorreto demais e bobear dá processo.

Aí me lembrei da reportagem que havia passado no jornal do almoço, uma psicóloga dizendo que não pode mais colocar apelido em criança. A dona provavelmente deve ter passado por um bom trauma nos tempos do colégio, ela transmite todo um background de quem era da turma dos excluídos no colégio. Desajeitada, coitadinha, a gente lá em casa de cara colocou nela um dois ou três apelidos de mulher feia.

E comentamos também que está cada vez mais difícil contar piada. Não pode preto, não pode veado, não pode mulher. Também não tem muito mais como contar história, porque negro malvado não pode, mulher vilã não pode, todo mundo tem de ser bonzinho no fim das contas. Tudo precisa estar politicamente correto, ter uma lição positiva, educar para o bem. O que é extremamente chato.

Mal a gente sabia que estava para assistir a uma grande mudança de sentido. A peça, Os Saltimbancos, de cunho político, subversiva, completamente contra o sistema, quase de fundo comunista, ganhou viés ecológico. Os malvados, antes apenas "patrões", agora são traficantes de animais! Como assim... Para quê, com que razão?

Não consegui manter a cara boa para o resto do espetáculo. Chico Buarque se visse aquilo deveria era meter um belo processo. Uma educação antissistema, que sobrevive à censura ditatorial e tem lugar na memória de toda uma geração que hoje é composta por pais e educadores, não merecia tanto desacato. A única coisa que quis fazer depois do espetáculo foi fugir. Afinal não podia compactuar com aquela merda. Os Saltimbancos, que venceram a ditadura e ganharam versão dos Trapalhões, rendidos ao politicamente correto. Uma pena. E é chato demais isso. Tomara que não perpetue.

No player o cd que acabei de comprar, John Lennon, Power to the people (edição remasterizada de 2010 com dvd).

Pissed

Geralmente escrevo uma lista, no começo do ano, de coisas a fazer. Dieta, estudar, malhar, aprender a dirigir. E de coisas a comprar. Mac book air. Mas resolvi fazer, de cara, a lista das coisas que têm-me irritado atualmente. Verdade é que ando fácil de contrariar, mas verdade maior é que ando sem tempo ou fôlego de expurgar minhas irritações na esteira ergométrica. Então, à lista:

1. Primeiro lugar absoluto para gente que reclama de tudo. Seja o ar condicionado ligado, seja o calor, seja o cheiro do detergente, enfim, minha grande irritação hoje em dia está em gente chata. O que ando fazendo para mudar isso: nada, mas resolvi que em meu futuro escritório o ar condicionado ficará a constantes 20 graus e que provavelmente muito poucas mulheres trabalharão comigo. Só as que tiverem um visom em casa, o que não é ecologicamente correto.

2. Reunião. Não aguento mais pelo menos uma reunião semanal para discutir besteira. Soube de fontes seguras que na última semana, enquanto eu estava de cama, fizeram reunião sobre o uso de clipes de papel, o que é mais nonsense que a reunião do número 2 do ano passado. Estou a uma vírgula de sair da sala na próxima reunião inútil, sob o prejuízo de me acharem mais doido que o habitual.

3. Telefonemas de telemarketing. Está na lista porque recebo pelo menos um por dia. Mas já não atendo, graças ao identificador de chamadas. Coitados dos meus amigos de SP se trocarem de telefone e ligarem avisando. 95% das ligações são de lá.

4. Gente inútil e/ou sem iniciativa. Chances altas de serem meu próximo estouro, daqueles em que vou baixar meu lado B adormecido e soltar gritos para ouvirem do outro lado da rua. Também, provavelmente, quando eu o fizer, dirão que enlouqueci e acabará em demissão por justa causa.

5. Prazos apertados. Ok que eu vivo com prazos apertados desde o primeiro dia de trabalho. Porém vejo para breve um dia que não vou mais cumprir um prazo e vai dar merda. Muita.

Resumindo, dos cinco quesitos de irritação acima, quatro estão diretamente associados ao meu trabalho. O que significa que perdi vida social, certamente, e que está na hora de reavaliar o meu emprego. O ano dirá. Ou a minha primeira surtada de 2011 dirá. Ou pularei fora do barco.

Trilha: Kate Bush, The Song of Solomon (1993).

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Chacoalhando

Na década de 1980, quando algumas pessoas eram crianças, eu inclusive, existia um tipo de medicamento parecido com xarope que se chamava "remédio em suspensão". Tinha uma parte líquida e uma parte mais sólida e a mãe da gente, na hora de servir, chacoalhava para misturar. Lembro de um sabor morango. Pois bem.

[Acho que não é a primeira vez que uso a analogia com o remédio em suspensão para retomar os escritos após um hiato. Mas tenho 99% de certeza de que essa ideia não é exatamente inédita, alguma criatura no mundo já fez a mesma comparação e ninguém vai voltar no tempo procurando algo que escrevi antes só para conferir. Eu não vou.]

Assim como o remédio, em suspensão, minha vontade de escrever estava parada, precisando de algum tipo de agitação para desencadear qualquer iniciativa. Porém pela lei da inércia algo que está parado tende a permanecer parado, a preguiça impera, a gente arranja tempo para tudo menos escrever, lá se foram meses. Nesses dias, enquanto produção escrita, dois textos para esse blog apagados no primeiro parágrafo, uma redação para o Enem, questões de vestibular e só.

Não pretendo relatar tudo o que aconteceu comigo nesse intervalo de tempo, não faz muita diferença ou, melhor, cabe em pouco espaço: engordei como um porco na ceva, fiz cursinho, estudei mediocremente, fiz vestibular, arranquei dente [e fui a um show de metal]. O resto não importa.

Importa de hoje em diante. Quero restabelecer um mínimo de rotina saudável (mental e fisicamente) para mim, e escrever faz parte do processo. Ajuda desde a tirar da cabeça aquelas coisas cotidianas, picuinhas que nos deixam doidos, até a refletir melhor sobre algo realmente importante. Escrever, para mim, mais que um ato de tentar aparecer e conquistar você, leitor, através das minhas voltas em torno de um mesmo ponto, é principalmente um ato introspectivo/reflexivo extremamente saudável. Por isso, e mais para isso, é bom estar de volta.

Pensei em mudar de endereço, recomeçar, e vi que não. Já estou recomeçando coisa demais e o endereço seria só detalhe. Talvez eu peça pra Rosi uma cara nova, a saber.

Como sempre é bom ter uma novidade, encerro contando um segredo. Vez por outra escrevo com música, para melhorar o meu foco [coisas de quem tem desvio de atenção]. Esse texto foi escrito ao som de Regina Spektor. Álbum Begin to hope (2006). Sempre que acontecer de eu escrever com playlist aviso aqui no fim.