Ontem na fila do teatro encontro uma antiga conhecida, professora universitária que nunca me deu aulas, apesar de eu ter estudado no mesmo curso e na mesma faculdade que ela até hoje trabalha. E nos pegamos maravilhosamente conversando sobre como a vida cria mecanismos para ficar cada vez mais, na falta de um melhor termo, chata.
Era peça infantil e a produção resolveu dar os programas (que tinham uma máscara para recortar e usar depois) somente às crianças. Nem eu nem ela temos filho e logicamente ficamos sem programa. Nisso ela solta que quase disse ser minha mãe e que eu tinha problema mental, para sensibilizar a moça da produção, mas ela achou melhor não fazer, porque dizer que o filho é retardado nos dias de hoje é politicamente incorreto demais e bobear dá processo.
Aí me lembrei da reportagem que havia passado no jornal do almoço, uma psicóloga dizendo que não pode mais colocar apelido em criança. A dona provavelmente deve ter passado por um bom trauma nos tempos do colégio, ela transmite todo um background de quem era da turma dos excluídos no colégio. Desajeitada, coitadinha, a gente lá em casa de cara colocou nela um dois ou três apelidos de mulher feia.
E comentamos também que está cada vez mais difícil contar piada. Não pode preto, não pode veado, não pode mulher. Também não tem muito mais como contar história, porque negro malvado não pode, mulher vilã não pode, todo mundo tem de ser bonzinho no fim das contas. Tudo precisa estar politicamente correto, ter uma lição positiva, educar para o bem. O que é extremamente chato.
Mal a gente sabia que estava para assistir a uma grande mudança de sentido. A peça, Os Saltimbancos, de cunho político, subversiva, completamente contra o sistema, quase de fundo comunista, ganhou viés ecológico. Os malvados, antes apenas "patrões", agora são traficantes de animais! Como assim... Para quê, com que razão?
Não consegui manter a cara boa para o resto do espetáculo. Chico Buarque se visse aquilo deveria era meter um belo processo. Uma educação antissistema, que sobrevive à censura ditatorial e tem lugar na memória de toda uma geração que hoje é composta por pais e educadores, não merecia tanto desacato. A única coisa que quis fazer depois do espetáculo foi fugir. Afinal não podia compactuar com aquela merda. Os Saltimbancos, que venceram a ditadura e ganharam versão dos Trapalhões, rendidos ao politicamente correto. Uma pena. E é chato demais isso. Tomara que não perpetue.
No player o cd que acabei de comprar, John Lennon, Power to the people (edição remasterizada de 2010 com dvd).
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