quarta-feira, 10 de março de 2010

Cardisplicente

Esse fim de semana fui rever, devidamente acompanhado, a montagem belorizontina da peça Brasileiro, profissão esperança, do Paulo Pontes. Que fala sobre Dolores Duran, a quem tenho aprendido a amar, e sobre Antônio Maria, de quem nunca tinha lido nada até o momento. O que é um erro. Antônio Maria devia ser lido e republicado frequentemente. Devia estar naquela série "Para gostar de ler" que tem na biblioteca da escola. Como eu tinha gostado da peça o bastante para ir ver de novo, logicamente eu já tinha baixado a trilha do espetáculo original, com Clara Nunes e Paulo Gracindo, encenada em um tempo em que eu não era ainda vivo.

Ontem, depois de muito tentar o rapidshare (ele não é mais meu amigo), enfim peguei para ouvir a versão mais recente, não sei exato a data, com Gracindo Jr. e Bibi Ferreira. Logicamente esperava por um texto semelhante, mesmo sabendo que haveria alterações. O próprio Paulo Pontes teria dito que o texto, para ser reencenado, precisaria sempre de ajustes. Recomendo ouvir tanto a versão inicial quanto a mais atual. Basta procurar no Um que tenha. Lá tem as duas.

Daí que o texto é outro. Quer dizer, é o mesmo, mas aumentado, e com uma picardia de humor do excelente entrosamento entre o Gracindo Jr. e a Bibi. Como foi gravado ao vivo, existem alguns cacos que deixam a própria Bibi Ferreira desconcentrada em cena. Se a versão de Paulo e Clara é irretocável, a de Bibi com Gracindo Jr. fica marcada por um traço de improvisação e um quase deboche delicioso. Mas com todo o respeito, claro. Até porque pedir a Bibi Ferreira para cantar como Clara Nunes seria, no mínimo, idiotice.

No começo da peça, Gracindo Jr. diz uma crônica do Antônio Maria – ele era cronista, compositor, humorista, amava com a vida toda e escrevia à máquina com dois dedos – que não fez parte nem do disco original e nem da peça que assisti no domingo passado. O texto, que não achei na internet e gastei um tempo bom digitando, segundo o áudio, teria sido publicado em 1960, no jornal Última Hora:

Tem coisas que eu não entendo. Por que "Brasil"? Sabem os senhores porque esse país se chama Brasil? Por causa do primeiro pau que Cabral avistou ao desembarcar aqui. O pau-brasil. Agora, e se esse primeiro não tivesse sido o brasil? Se tivesse sido um pé de mandioca, por exemplo? A nossa virilidade estaria irremediavelmente comprometida! O cidadão, para dizer que gosta da sua terra, teria que falar: "Eu sou vidrado na mandioca!" As senhoras, todas interessadas nos destinos da nação, teriam todo o direito em dizer: "É por isso que essa mandioca não levanta!" E, para fortuna nossa, Cabral não viu de cara a mexerica, porque hoje teríamos uma nação de mexeriqueiros. Por esse critério, o do primeiro pau, o nosso país hoje poderia de chamar pindoba, mangaba, aroeira, jaqueira, coqueiro. Ou simplesmente coco. Aliás, bonito nome para um país: Coco. Só que relações diplomáticas com a França jamais.

E se Cabral tivesse visto, de saída, um pé de abacaxi? Brasília, 1º de janeiro de um ano qualquer. O presidente que sai, ao passar o governo ao presidente que entra, pronuncia as seguintes palavras: "Excelência, tenho a honra de passar o abacaxi para vossas mãos." Nós temos sorte, nós temos muita sorte. Hoje nós poderíamos ser os goiabas, os abacates, os bananas... Nós poderíamos ter o nome de uma fruta qualquer. Vocês já imaginaram, na copa do mundo, um placar como esse: "Escócia dois, Carambola zero"? E pra fortuna nossa, Cabral não viu, de saída, um pau desconhecido, que ele só soubesse identificar por sinônimo. Porque hoje seríamos a República dos Estados Unidos do Cacete!

Estaria tudo bem se eu não tivesse escutado a fala acima dependurado no Grávitron (para quem não sabe o que é, clique aqui, vá no meu blog do ano passado e descubra). Pois viver é pagar mico, e eu perdi a concentração, comecei a rir igual a um boboca, e quase despenquei de cima da máquina, estabacando no solo em plena hora de pico da malhação. Mas ainda não foi dessa vez que dei show por lá. Porque sim, já caí da esteira alguns anos atrás.

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