terça-feira, 16 de março de 2010

Verbi gratia

Cecília Meireles já disse ter fases, como a lua. Depois disso não há como qualquer canceriano se apropriar da constante mutação do satélite para justificar suas oscilações de humor sem soar no mínimo clichê. Mas como todo bom canceriano — Cecília era escorpiana de sete de novembro, a contrário de mim — eu tenho sim fases. Fases de muito mau humor como os dias de agora. Dias em que tudo se transforma em objeto de irritação, e que uma pessoa normal, se fosse sua amiga, diria: procure o analista. Dias em que a voz dos outros incomoda. Dias em que você quer estar apenas com você mesmo, preferencialmente isolado do mundo, metido em alguma caixa branca. Assim estou: insuportável. Até para mim.

Talvez, e muito provavelmente, eu esteja assim porque a realidade anda insistindo demais em aparecer escancarada em minha frente. Estúpida. Justo eu que prefiro metáforas, mais inteligentes e mais intrigantes. Nunca menos doloridas. Vivo aqueles dias em que o espelho teima em avisar para ficar em casa ou desaparecer sem aviso prévio. Mas o barulho do martelo dos pedreiros no andar de cima (isso não é uma metáfora) me persegue tanto no trabalho quanto em casa, impossível fugir. Ponho o pé na rua e logo vem o gosto amargo de se estar em um dia cinza e nublado e com chuva. Pessoas como eu de mau humor são uma festa para as confeitarias. Desconto tudo no açúcar, com 4.5% de culpa devidamente queimada em uma esteira por 30 minutos suados.

O açúcar me alivia da serra elétrica, dos clientes ansiosos, dos limites estourados e dos prazos curtos. Mas não alivia de às vezes a vida cuspir na sua cara que você é um bosta. Com o perdão do termo. Hoje estou, ou quem sabe sempre tenha sido, um bosta. Paradoxalmente eu sei que não o sou, dispenso isso da caixa de comentários. Porém nada alivia o azedume de me sentir assim nesse momento. Claro que, como sempre, por coisinhas estúpidas como um telefonema. Provavelmente a minha mãe me educou bem demais para ser grosseiro, ou provavelmente a minha índole me impeça, por vezes, de ser indelicado. Só sei ser grosseiro e rude, só sei dar patadas entre aqueles que amo. Para todos os outros sempre serei no mínimo gentil e cortês.

De todo modo, a minha mãe também sabe que eu não tolero falta de justiça por muito tempo. Por isso preciso expurgar meus traumas de infância, nem que seja por aqui, e rasgar um mundo de verbos estrangulados por mais de trinta anos. Fiquem todos então sabendo:

Não sou, nunca serei, não pretendo ser igual a ninguém. Não tenho vontade de ser nada além de eu mesmo: nunca quis ser médico. Não quero ser químico da Fiat e ter uma família perfeita com dois filhos perfeitos. Não sou perfeito, me orgulho muito disso. A vida não me educou para o sonho de consumo americano. Larguei a faculdade porque quis, não me formei porque não quis. Da mesma forma que parei de fumar porque quis, e não porque "alguém disse que faz mal". Mas emagreci porque a médica não deu opção. Não sei dirigir. Nunca tive vontade de dirigir. Não quero ter um carro para me dar despesas, já bastam as minhas cachorras. Se eu puder optar por uma despesa fixa, escolho ter uma filha. Quero uma filha. Talvez eu volte a estudar Direito um dia. Gosto muito do meu trabalho, mesmo acontecendo horas em que tenho vontade de largar tudo, de parar com tudo. Como agora, quando eu devia estar cuidando de coisas mais urgentes do que fazer um texto insano que ninguém vai entender. Mas no fim, mesmo, sabe por que eu não sou um bosta? Porque, ao contrário de tanta gente, são poucos os que dão opinião na minha vida. Porque, no fim, mais que muitos, eu consigo ser reconhecido por aquilo que deveria ser inerente a todos: a minha individualidade. E em ser eu mesmo eu sou melhor que todo mundo. Portanto, por favor, respeito a mim, e aos meus. Senão vou esquecer os princípios da boa educação e partir pra briga, seja com quem for.

Agora copiar isso e colar na porta do armário do quarto, fazer de papel de parede no desktop, gravar em mp3 e ouvir até internalizar, na mais pura programação neurolinguística. E lembrar que as coisas vêm e vão. E, principalmente, mau humor engorda. Vamos cuidar então da vida.

Em tempo: em mais uma coisa sou contrário a Cecília Meireles. Dizem que ela adorava pedreiros. Eu não os suporto.

Um comentário:

Cynthia Santos disse...

Aaaahhh
o que algumas reformas não causam...
de bom ou mau humor, te curto muito, viu?
Toca o bonde, come seus doces (costumo dizer que quando bate essa vontade visceral de engolir açúcar, é porque a gente está merecendo, e sempre tem um motivo)e aproveita esse tempinho nublado, deve ter dado uma refrescada aí, não?
Beijo grande!