quinta-feira, 18 de março de 2010

Macabéa

Por enquanto Macabéa não passava de um vago sentimento nos paralelepípedos sujos. (...)

Vivo meu momento Macabéa. Não que eu tenha saído do Nordeste para trabalhar no Rio, nem que eu tenha conseguido um emprego como datilógrafo em uma firma de representantes de roldanas. Não. Eu vivo de metáforas.

Não se assustem se amanhã ou depois virem no jornal de R$0,25 que um homem foi atropelado por um Mercedes-Benz e esse blog parar de receber meus escritos. Estarei morto.

Vivo meu momento Macabéa em fim de livro. Para quem não leu A hora da estrela, saiba que Macabéa é atropelada, e morre, saindo da cartomante. Pronto contei o final. Mas é como o final de Titanic, todo mundo sabia que o Leonardo Di Caprio ia morrer e foi ao cinema assim mesmo. Filas para verem navio afundar. Importante é o percurso, nunca o fim. Até porque o fim, no fim, é mesmo a morte. Menos para Elvis Presley.

Vivo meu momento Macabéa engravidado de futuro. Encantado com a possibilidade de um futuro.

Tanto estava viva que se mexeu devagar e acomodou o corpo em posição fetal. Grotesca como sempre fora. Aquela relutância em ceder, mas aquela vontade do grande abraço. Ela se abraçava a si mesma com vontade do doce nada. Era uma maldita e não sabia. (...)

Macabéa precisava morrer porque para ela a ilusão de futuro já bastava. A promessa de felicidade bastava. Quanto a mim dirá o destino. Mas sim, depois dos dias cinza o céu já está entre nuvens em Belo Horizonte, e um pouco de azul aparece.

Imagine um jogo de ligar os pontos. Você, criança, abre a página do livro de colorir e lá está aquele tanto de ponto incompreensível numerado. Quando se ligam os pontos aparece o desenho: um cachorrinho, um gatinho, a Branca de Neve. Isso quando você não faz como eu, que ligava os números em vez dos pontos e me dava por satisfeito. Porque importante era ligar, não era ter uma figura bonita depois. Isso diz mais que o suficiente de mim, tanto que pensei duas vezes antes de publicar.

Metaforicamente falando, a vida é um jogo de pontos. A gente vê um panorama e pensa o que fazer com aquilo. Porque, para dificultar, o jogo de pontos chega sem números e sem o lápis. Então a gente passa pelos pontos, e demora um tempo enorme para entender o que fazer com aquilo. De repente, no susto, tudo começa a fazer sentido. E o lápis apareceu.

O processo de ligar pontos pode ou não acontecer. E, claro, como os pontos não são numerados, a gente sempre pode fazer o desenho errado. Mas o importante, sempre, é o processo. E por ter percebido, tão cedo, tão cedo mesmo, qual o meu processo, eu hoje estou feliz e com medo. Feliz por enfim conseguir enxergar algo lá na frente. Com medo de um caminhão fenemê me atropelar.

(...) O instante é aquele átimo de tempo em que o pneu do carro correndo em alta velocidade toca no chão e depois não toca mais e depois toca de novo. Etc., etc., etc. No fundo ela não passara de uma caixinha de música meio desafinada.
Eu vos pergunto:
- Qual é o peso da luz?
E agora - agora só me resta acender um cigarro e ir para casa. Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas - mas eu também?!
Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.
Sim.


Por enquanto, e por enquanto, é tempo de morangos. As citações são de A Hora da Estrela, da Clarice Lispector. E esse layout novo, ainda em fase de adaptações, é da Rosi. A quem dedico esse texto.

Um comentário:

rOsI disse...

:´) Bigadu, amore