Em um episódio de Grey's Anatomy é mostrado o corredor de entrada para o bloco cirúrgico, em destaque uma linha vermelha no chão. A linha indica até onde o acompanhante do paciente pode ir: após aquele risco apenas médicos, enfermeiras e, claro, a vítima da vez. O capítulo em si trata de tema recorrente – para não dizer clichê – da dramaturgia norte-americana: to cross the line.
Foi depois desse episódio que passei a reparar mais no quanto a expressão – "cruzar a linha" em português tupiniquim – é utilizada pela galera da gringoland nas suas séries. Quando alguém "faz arte" (expressão que tenho adorado por agora e que deviam ressuscitar), bebe além da conta, enfia o pé na jaca, enche o saco, tira foto sem roupa dependurado no poste, tudo em geral, lá vem aquela personagem completamente histérica dizer you crossed the line, you crossed the line!, quase caricaturalmente (nesse momento você pode imaginar a Bree, ou a Meredith, dizendo isso), em alguma cena lição de moral que dá vontade de desligar a tevê e ler Ulisses.
Assisto a muitos enlatados, alguns por vezes dão nos nervos. Veja o péssimo hábito de as pessoas temerem a expressão I love you, quase como se fosse uma condenação irrevogável à morte, ao degredo ou, pior, ao casamento inevitável (prisão perpétua?). Mas compreendo. Em uma sociedade sensível ao toque, que se surpreende com a capacidade brasileira de abraços e beijos, nada mais normal que o termo "amor" ser elevado à sexta potência e ao status de definitivo. Agora, no entanto, não quero focar no amor americano. Qualquer dia isso volta a ser tema.
Hoje quero pensar o clichê de se cruzar a linha, passar os limites. Não pela convenção social. Todo mundo acima dos 25 anos, sorry teens, sabe que não é legal beber e dar vexame sempre, tocar a campainha e correr, passar trote no telefone para o 190, telefonar para a melhor amiga às três da manhã. O que não quer dizer que ninguém nunca tenha feito nada disso. Pagar mico é parte dos rituais de passagem brasileiros. Faz bem para a personalidade e para o caráter, principalmente quando dá errado. Ninguém esquece o porre de vodka na sétima série, a vizinha com o rolo de pastel na mão, a viatura na porta de casa "minha senhora, estão passando trote desse número", muito menos a amiga dizer "agora não, estou no motel".
Existem outros limites, ditos invasivos. Acredito que ninguém duvide, até porque se esses não existissem todo mundo iria ao banheiro de porta aberta. Vamos além. Na atual crise de invasão de privacidade já vi artista trocar de roupa na praia (como qualquer mortal) e lá vir a câmera apontada para lugar estratégico, programa de tevê montar guarda em porta de famoso, tudo que venda o escândalo do dia. E famoso que vive disso, não sejamos hipócritas. Por minha vez, penso preservar um elegante anonimato escrevendo para poucos e não me imagino agente/passível desse tipo de escândalo. Isso está fora de minha fronteira. Só uma vez, anos atrás, fui reconhecido por um rapaz que acabou virando amigo. Nada além.
E existem, por fim, os piores limites, os individuais. Tênues linhas, completamente variáveis e subjetivas, fluindo e se moldando como água em potes diferentes. Hoje estou assim, não me encostem. Por que você não vem cá e me abraça? Agora não, preciso de espaço, você está me sufocando. Mas é claro que vou dormir aí. Eu, pendurar a roupa? Tenho pavor de pia suja, por isso é que estou lavando. Morro de preguiça de passar uma camisa que seja.
A quem leu e entendeu, obrigado por me suportar.
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
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Um comentário:
O que importa é que quem devia entender deve ter entendido.
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