quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Bullying

Fui alfabetizado por uma babá. Digo, não exatamente alfabetizado, porque o processo de alfabetização envolve mais processos do que aprender a ler. Então, melhor seria anotar que a minha babá me ensinou a ler quando eu tinha três anos e meio. Talvez seja normal hoje, porém, se voltamos 30 anos no tempo, as crianças de três anos e meio em 1980 não viviam exatamente ocupadas com cartilhas. Havia coisas muito mais interessantes para se fazer. Como colocar blocos quadrados em caixas, por exemplo, e desenhar. Eu, por outro lado, ficava vendo figuras de letras e repetindo as palavrinhas. Aquela coisa de abacaxi, escola, igreja, ovo e uva.

Minha mãe, em um acesso de sobriedade e de bom senso (juro que estou falando sério, sou imensamente grato a ela por ter tentado me dar um mínimo de normalidade), achou por bem que eu tivesse educação formal continuada igual a todos os alunos. À exceção de que me mandaram para o colégio um ano mais cedo. Sou nascido em julho e, portanto, conforme as regras escolares que já vigiam à época e valem até hoje, só deveria ter começado a frequentar escola um ano depois de quando fui efetivamente matriculado. O que resultou, claro, em ser sempre o primeiro da fila "por ordem de tamanho", sistematicamente condenado a sentar nas cadeiras da frente. Não só pela altura, até porque nunca fui alto, como também pela miopia.

Agora imagine um menino que já sabe ler dentro de uma classe de alfabetização. Menor que os outros, sentado na carteira da frente, óculos de fundo de garrafa com um dos olhos tapado (para melhorar a visão do olho fraco, disse algum oftalmologista), respondendo às perguntas unicamente porque já sabia todas as respostas e completamente intolerante com a estupidez de quem (como assim?) não sabia que aquilo era uma letra A. Insuportável desde criança. Caxias desde os quatro anos.

Obviamente meu relacionamento com os colegas não podia dar em algo que preste. Vejamos algumas pequenas consequências da alfabetização precoce. Já colaram um rabo de papel em mim, salvo engano mais de uma vez, e já desfilei pelo colégio todo com o bendito rabo. Sempre era o último escolhido para o time de futebol na educação física. Não que me importasse, as aulas de educação física eram sessões de tortura mesmo. Em compensação, todos queriam ser do meu grupo de trabalho. Até porque eu fazia sempre o trabalho todo, ou pelo menos boa parte. Baixinho, gordinho, caxias e chato, obviamente colecionei, nos tempos de colégio, mais apelidos que genitália feminina. Baleia, bolinha, quatro-olhos, pintor de rodapé, toquinho de amarrar jegue, cabeção, capacete (por conta de um corte de cabelo horroroso que fizeram em mim) e mais outros que, realmente, não lembro.

Dois episódios específicos me marcam até agora. O primeiro por inocência da minha mãe, que achou por bem colocar meu nome em todo material escolar que eu tinha, mochila inclusive, quando me mudei para estudar em BH. Eu era o único aluno do colégio a ter uma mochila com o nome pintado. Perfeitamente plausível em se tratando de minha mãe, inconcebível para um adolescente de 14 anos recém-chegado do interior. Foi a primeira vez em que bati o pé para ter uma mochila nova, "da Company", que era o que todo mundo usava na época.

A outra lembrança vem um tanto quanto piorada. Meu professor de educação física, em um acesso de tentar que eu fizesse algo na aula, disse que eu podia fazer natação no horário. Agradeci, nadar é algo que sempre fiz muito bem, e toda aula ia nadar, mesmo com frio. Até o dia em que um colega, durante o intervalo (ou "recreio"), abriu minha mochila e pendurou minha cueca no basculante da sala. Foi o bastante para, uma semana depois, eu chegar com um atestado médico de um primo, me dispensando das aulas de educação física até o fim do ano. Nunca mais nadei naquele colégio depois disso.

Como tudo passa, com a faculdade veio uma certa mudança de comportamento e temperamento. Amadureci, encontrei amigos (sobreviventes dos tempos de colégio foram poucos, não enchem uma mão), deixei de ser o melhor da turma graças a deus, e passei a ser apenas eu mesmo em busca de identidade, o que já é complicado. Os traumas de escola ficam para esse texto e para um pequeno prazer pessoal. Hoje eu trabalho no prédio ao lado de onde aquele colega que pendurou a minha cueca tem um escritório. Vez por outra o vejo na rua. Careca, barrigudo, velho. Até hoje viro a cara quando passo perto. Sem dar nem bom dia.

2 comentários:

Cynthia Santos disse...

Ai, amigo, que ranço!!eheheheh
Essa viagem no tempo me fez lembrar da minha vida escolar... a gente podia ter estudado juntos... meu apelido era "nhac-nhac" por causa do napo italiano, eu era a nerd da turma, só porque queria estudar em uma turma cheia de filhinhos de papai, que só queriam curtir...sempre fui baixinha e gorda, que dupla,hein?!
Beijo grande!

Ro7 disse...

ah seria tão divertido, ao menos sei que renderia um texto divertido, você parar e tomar um café com o fulano.